Estimativa para a inf lação aumenta com Selic estável
Mudança súbita na política do BC influencia mercado; dólar fecha em R$ 4,166, maior valor nominal desde o Plano Real
A opção do Banco Central por manter a Selic (taxa básica de juros) em 14,25% elevou as expectativas de inflação para os próximos anos.
Economistas avaliam que a repentina mudança de rota na política monetária do BC reduz a previsibilidade do mercado, prejudicando o controle inflacionário.
O aumento dos juros é uma das ferramentas para combater a alta de preços.
Os índices da “inflação implícita”, calculada com base nas taxas de retorno dos títulos da dívida do governo, subiram. Eles são referência na projeção de alta de preços feita por analistas.
Títulos com vencimento em um ano apontavam para inflação de 9,68% ontem, contra 9,41% há quatro dias, antes do anúncio do BC. Para janeiro de 2018, ela passou de 9,94% para 10,66%.
O dólar comercial subiu influenciado pela percepção de interferência do governo no BC. A moeda fechou cotada a R$ 4,166, o maior valor nominal desde a criação do Plano Real, em 1994 —mas abaixo do pico de 2002, que, corrigido, valeria R$ 7,08.
Para Gustavo Loyola, exchefe do órgão, a credibilidade da instituição acabou prejudicada pela possível ingerência do Planalto.
Dólar sobe a R$ 4,16, maior cifra desde o Real, mas abaixo do pico de 2002, que, corrigido, valeria hoje R$ 7,08
A opção do BC de manter inalterada a taxa básica de juros, Selic, elevou ainda mais as expectativas de inflação para os próximos anos.
Embora parte dos economistas reconheça que há argumentos técnicos para defender a decisão, a avaliação é que, ao mudar repentinamente a rota da política monetária, o Banco Central reduziu a previsibilidade do mercado, prejudicando o combate à alta de preços.
A chamada “inflação implícita”, calculada com base nas taxas de retorno dos títulos da dívida do governo, já mostra a deterioração nas projeções. Os índices passaram a subir na terça-feira (19), após a sinalização do BC de que poderia manter a Selic —passando a priorizar o crescimento econômico.
Títulos com vencimento em um ano, por exemplo, apon- tavam nesta quinta (21) para inflação de 9,68%, ante 9,41% na segunda-feira. A inflação implícita para dois anos, portanto em janeiro de 2018, chegava a 10,66% —era de 9,94% no início da semana. Para três anos, o índice era de 10,33%.
“Nossa dificuldade em interpretar a sinalização do BC torna nossas previsões para a Selic frequentemente frágeis e, assim, sujeitas a muito mais mudanças do que seria razoável esperar no passado”, afirma o Credit Suisse em nota a seus clientes.
Segundo os economistas do banco, a comunicação do BC não consegue coordenar as expectativas do mercado, dificultando a redução de preços nos próximos trimestres.
EFEITOS
A incerteza sobre o alvo do BC deve se refletir em breve nas estimativas de consultorias. Entre 5 analistas ouvidos, 3 devem elevar suas perspectivas de inflação nas próximas semanas; 2 consideram que a decisão do BC não altera o cenário.
Para Leonardo França, economista da Rosenberg Associados, a condução do BC —e não a decisão em si— foi o maior problema, ao “arranhar” a confiança do mercado na autoridade monetária. A Rosenberg projeta atualmente o IPCA (índice oficial) em 8% em 2016 e em 5,5% em 2017, com perspectiva de revisão para cima.
“É inegável que teve um dedo da presidente [Dilma]”, afirmou Sidnei Nehme, especialista em câmbio. Para ele, no entanto, a manutenção dos juros foi acertada.
Márcio Milan, da Tendências, prevê que a manutenção dos juros pode acelerar a inflação no fim deste ano. Entre os motivos apontados por ele está o efeito do câmbio.
“A taxa tem pressionado a inflação via alimentos. Então, devemos ver nas próximas semanas o mercado elevar sua perspectiva de inflação para 2016”, disse Milan.
DÓLAR EM ALTA
Nesta quinta (21), o dólar comercial subiu 1,5%, para R$ 4,166, influenciado pela percepção de que houve interferência do governo federal na decisão do BC. O dólar à vista fechou em R$ 4,147.
A cotação no fechamento foi a maior taxa nominal (sem considerar o efeito da inflação) desde a criação do Plano Real, em 1994.
Com a correção inflacionária, o pico de outubro de 2002, quando o dólar foi cotado a R$ 3,99, hoje equivaleria a R$ 7,08. É preciso considerar também que o mercado financeiro atual é muito diferente do de 1994.
“Vamos estabilizar o nível de atividade econômica no terceiro trimestre e voltar a crescer no quarto trimestre”, disse Nelson Barbosa, ministro da Fazenda, nesta quintafeira (21) em Davos, no Fórum Econômico Mundial.
Para fechar o ano com queda de 3,5% do PIB, como previu o FMI, o Brasil tem de estabilizar a economia por um período, caso recue esse percentual no primeiro semestre. Se isso não ocorrer, a queda poderá ser ainda maior.
O ministro afirmou que o governo trabalha para que a inflação seja de 6,5% neste ano. O mercado projeta ao IPCA em 7% para 2016.
As estimativas oficiais es- tão sendo revisadas e os novos números deverão ser divulgados em fevereiro, junto com o decreto de contingenciamento do Orçamento, segundo Barbosa.
O ministro voltou a afirmar que o BC tem autonomia para decidir a taxa de juros como “achar adequado”. Na quarta, o Copom manteve a taxa de juros da economia, a Selic, em 14,25% ao ano.
Questionado por jornalistas, ele disse que o uso de bancos públicos para fomentar o crédito em alguns setores da economia não é uma medida que contraria princípios estabelecidos.
“Não vejo nada de heterodoxo nisso, pelo contrário, é dever do governo”, disse. “A questão é ter eficiência ou ineficiência.”
O ministro contou que ouviu em Davos sobre a agência que seja, conforme definiu, uma “one stop shop”, um mesmo lugar em que o interessado em investir no Brasil tenha de tratar.
“Já temos a Apex e a ABDI, mas elas podem ser reformuladas. Estamos em fase de ajuste e não queremos, obviamente, criar mais um órgão público”, afirmou.
“É uma decisão do Ministério do Planejamento de revisar essa estrutura e do Ministério da Indústria e Comércio. Vou levar a sugestão.”
De estrangeiros, contou ter ouvido ainda que muitos pretendem manter seus investimentos e que pensam no longo prazo. A maior reclamação é do sistema tributário, segundo disse.