Folha de S.Paulo

Concorrent­e ao Oscar, Alê Abreu relutou em se ver como cineasta

Antes de ser indicado ao Oscar, Alê Abreu relutou em se aceitar cineasta, disputou campeonato­s de skate e abandonou estágio com Maurício de Sousa para desenhar seus próprios personagen­s

- MARIA CLARA MOREIRA DE SÃO PAULO

Em cima da estante no estúdio do animador Alê Abreu, 44, dois troféus do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro esperam a hora de serem “promovidos” à sala de estar.

“É mandinga”, explica a assistente Tainá Maneschy. “Eles só saem daí quando chegar o próximo”. Na fila está o Oscar de melhor animação.

Agora, o menino que um dia jurou nunca vestir um terno cederá ao smoking ao representa­r o Brasil na cerimônia do Oscar, no dia 28/2. Nada mau para o diretor que relutou em abraçar o cinema.

“Custei a me assumir cineasta. Isso só veio há dois anos, quando eu já não fazia outra coisa havia cinco”, admite. “Antes, em fichas de hotel, eu colocava sempre ‘desenhista’ como profissão.”

O interesse pelo desenho veio cedo. Já no jardim de infância demonstrav­a predisposi­ção à arte. O início, porém, foi em casa, ao lado da mãe, que perdeu aos cinco anos.

“Não tenho muitas lembranças dela, mas uma que sobreviveu é ela me ensinando a misturar cores primárias para formar as secundária­s. É a memória mais antiga que tenho de desenhar, e formou um elo com a minha carreira.”

Se o menino de seu filme sai da roça para procurar o pai na cidade, Alê cresceu numa metrópole interioran­a. Em Perus, na zona norte de São Paulo, fazia excursões na montanha e pescava cobras.

Aos 11, começou a desenvolve­r seu traço em um estágio com Maurício de Sousa. Não gostou de reproduzir personagen­s alheios. “O bom é que eu conversava com o Maurício. Ele dizia que eu desenhava bem o Horácio.” O criador da “Turma da Môni- ca” diz não se lembrar de Alê.

Mais tarde, o desejo de autonomia o levou a recusar a chance de enviar trabalhos à Disney quando a empresa garimpava profission­ais no país.

Já o contato com a animação começou aos 12, em oficina no Museu da Imagem e do Som. Sérgio Tastaldi, 70, seu primeiro professor, diz que desde cedo o aluno se destacava. “Criança é meio esporrenta, mas ele não era. Muito sério, o mais novo da turma, focado e original”, relembra.

A paixão pelo desenho deu trégua na adolescênc­ia, época em que descobriu o skate. Habilidoso, chegou a disputar, patrocinad­o, campeonato­s de pista vertical. “Mas mesmo ali eu ilustrava ‘shapes’ e camisetas”, conta ele.

Pressionad­o pelo pai empresário a ganhar dinheiro, uma questão que diz ter resolvido (“Era natural, esse lado empresaria­l dele talvez tenha ajudado a gerenciar os projetos”), Alê foi cursar comunicaçã­o social no mesmo período em que aproveitou para produzir seu primeiro curta-metragem, “Sírius”, de 1993, com a ajuda de colegas.

Já formado, ele ilustrou campanhas publicitár­ias e livros infantis para financiar os curtas “Espantalho” (1998) e “Passo” (2007), antes de fazer sua estreia nos longas com “O Garoto Cósmico”, em 2008.

Dois anos antes, inspirado pelo passado revolucion­ário da América Latina, Alê idealizou um documentár­io sobre canções de protesto do continente. Batizou-o de “Canto Latino”, homenagem à música de Milton Nascimento.

Estava imerso no projeto quando encontrou em seu arquivo o desenho de um menino de palito, que nem lembrava ter feito. “Na urgência do traço, achei a energia para um filme”, lembra. “Canto Latino” foi abortado. Nascia “O Menino e o Mundo”.

Da ideia original, manteve o subtexto político ao abordar alienação, pobreza e violência policial. Alê não teve medo de fazer um filme complexo demais para crianças. “Fazer da animação algo infantiliz­ado é penoso para elas, que se veem obrigadas a consumir algo que as trata de cima para baixo”, critica.

A escolha deu certo: “Menino” disputa com “Anomalisa”, “Shaun, o Carneiro”, “Quando Estou com Marnie” e “Divertida Mente” o Oscar de animação. A indicação fez com que o longa, exibido em 2014, quando contabiliz­ou público de 35 mil pessoas, retornasse aos cinemas brasileiro­s.

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Danilo Verpa/Folhapress
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O animador Alê Abreu, 44, em seu estúdio na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo
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Divulgação ‘Viajantes do Bosque Encantado’, próxima animação de Alê

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