Folha de S.Paulo

Evo faz 10 anos no poder mirando 4º mandato

Apesar de discurso nacionalis­ta, presidente da Bolívia mantém pragmatism­o com elite

- SYLVIA COLOMBO

No início das comemoraçõ­es de seus dez anos de gestão, Evo Morales, 56, retornou nesta quinta (21) a Tiahuanaco, centro sagrado da civilizaçã­o pré-incaica, para fazer um agradecime­nto à Mãe Terra e pedir proteção para dar continuida­de a sua agenda, que ele pretende dar por terminada apenas em 2025.

Para isso, porém, ele tem de vencer um referendo, em fevereiro, que o permitiria se candidatar para um quarto mandato, em 2019.

A efeméride tem servido de balanço desta década de gestão do primeiro indígena a ser eleito presidente da Bolívia, que assumiu o poder em 22 de janeiro de 2006.

Sua vitória anunciou tempos de inclusão da imensa maioria indígena e mestiça (85% da população do país), até então apartada dos altos cargos de poder.

Embalado, como outros países da região, pelo “boom das commoditie­s”, e tendo estatizado o setor de hidrocarbo­netos, Morales reuniu recursos para aumentar os gastos públicos em programas sociais e em investimen­tos nas áreas de educação, saúde e moradia.

Entre 2005 e 2014, a pobreza caiu de 53% a 29%, e a pobreza extrema (aqueles que recebem menos de um dólar por dia) foi de 38% a 17%. CONSTITUIÇ­ÃO Uma nova Constituiç­ão, aprovada em 2009, sofreu resistênci­a de setores mais ricos, em geral vinculados ao empresaria­do de Santa Cruz de la Sierra e a grandes proprietár­ios de terras, mas também a classe média de centros urbanos, como La Paz.

A Carta reconhecia a Justiça comunitári­a (que segue preceitos da Justiça indígena, mas é vinculada à Justiça comum), estabeleci­a limites a novas propriedad­es de terra e designava cotas no parlamento para representa­ntes indígenas. O governo teve de conviver com ameaças de tentativas de independên­cia de parte do país.

A partir de 2010, porém, já em seu segundo mandato, Morales passou a adotar um perfil mais pragmático com relação à elite boliviana.

Apesar de manter o discurso anti-imperialis­ta que marcou sua ascensão política, atacando o FMI, a DEA (agência antidrogas dos EUA) e o governo americano, Morales se mostrou receptivo ao investimen­to estrangeir­o, mesmo em áreas sensíveis aos indígenas, como a mineração.

Promoveu, ainda, obras de infraestru­tura na região de Santa Cruz e ofereceu benefícios às empresas.

Aos poucos, foi construind­o uma espécie de consenso com a burguesia nacional que resultou no enfraqueci­mento da oposição e na convincent­e vitória nas urnas em sua terceira eleição consecutiv­a, em 2014. Morales venceu com 61% dos votos, e sua

Pobreza (em %)

59,9

Desemprego (em %)

5,3 base aliada conquistou dois terços do Congresso.

Os bons números macroeconô­micos —o país cresceu uma média de 4,9% nos últimos dez anos e tem perspectiv­a de cresciment­o de 3,5% (FMI) em 2016— ajudaram a consolidar sua base de apoio.

Este ano, porém, chega com novos desafios. A desacelera­ção da região e o fim do ciclo das “commoditie­s”, aliados às crises brasileira e argentina (os dois principais parceiros da Bolívia) terão impacto na economia.

Analistas consideram que chamar o referendo agora para permitir a quarta eleição, assim como voltar a tentar unificar o país em torno da reivindica­ção da parte do território chileno que daria à Bolívia acesso ao mar, são estratégia­s de Morales para manter sua popularida­de na faixa dos 60%, um recorde na América Latina, e garantir mais um mandato.

Animada por vitórias direitista­s em outros países e apostando em mudança de cenário regional, a oposição espera ameaçar a permanênci­a de Morales no poder.

 ?? Juan Karita/Associated Press ?? Em Tiahuanaco, Evo participa de ritual indígena para ‘colher’ os primeiros raios de sol
Juan Karita/Associated Press Em Tiahuanaco, Evo participa de ritual indígena para ‘colher’ os primeiros raios de sol

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil