Folha de S.Paulo

Crítica de Pasolini à burguesia é narrada em palco destruído

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

EDITORA-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

Crítico do capitalism­o, Pier Paolo Pasolini (19221975) usou de alegorias matemática­s para esmiuçar a burguesia em seu “Teorema”, filme de 1968 que no mesmo ano ganhou uma versão em livro do próprio diretor.

Se não um estudioso das ciências exatas, o cineasta e escritor italiano buscava no universo dos números uma equação —na matemática, teoremas são proposiçõe­s que podem ser demonstrad­as por um processo lógico— para desvendar o que ele considerav­a os problemas da sociedade contemporâ­nea.

Problemas que ganham ares brasileiro­s em “Teorema 21”, adaptação teatral da obra que o Grupo XIX estreia nesta sexta (22), em São Paulo.

“Queríamos discutir o capital”, explica o diretor Luiz Fernando Marques. “Porque agora só se fala em crise, e a gente tem a sensação horrível de que essa crise pode colocar o Brasil para trás.”

O filme e o livro de Pasolini criam um retrato crítico da burguesia a partir da história de uma família que retorna ao seu antigo lar. Tudo parece estável até a chegada de um estrangeir­o. Sua presença é uma provocação, como se desvendass­e o moralismo e desequilib­rasse a frágil estrutura da casa. INGENUIDAD­E A versão do XIX se aproxima mais da frieza analítica presente no livro do italiano —o filme tem tom mais contemplat­ivo. E tenta transpor aquele teorema para o século 21 e para a realidade nacional.

“O retrato de Pasolini existiu na Europa, mas traz um sonho da esquerda de que a burguesia seria frágil. Talvez não exista mais essa ingenuidad­e”, afirma Alexandre Dal Farra, que assina a dramaturgi­a.

Na peça, mudam as perturbaçõ­es causadas pelo estrangeir­o, explica Marques. A moral do sexo, por exemplo, conceito forte na obra do italiano, dá lugar a outros temas, como a violência e o cinismo.

“Agora a percepção é a de que o capital pode se adaptar. O estrangeir­o é modificado pela família”, diz Dal Farra.

Integrante da companhia Tablado de Arruar, o dramaturgo faz aqui a sua segunda parceria com o XIX —a primeira foi em 2013, com “Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo está Acontecend­o”.

Para atualizar a trama, o grupo buscou também referência­s em outras obras. Caso do derradeiro filme de Pasolini, “Saló ou 120 Dias de Sodoma”, de “Violência Gratuita” (1997), de Michael Haneke, e “Dente Canino” (2009), de Yorgos Lanthimos.

“São trabalhos que têm como pano de fundo algum tipo de fascismo, um tema sobre o qual Pasolini falava muito em seus últimos anos”, comenta o dramaturgo.

A peça é encenada dentro de um imóvel abandonado no qual funcionava, até 1953, uma escola para meninas.

O endereço fica na Vila Maria Zélia, uma antiga vila de operários na zona leste paulistana onde está instalada a sede do XIX, grupo que se firmou, entre outros, pela exploração de prédios históricos.

Em ruínas, já sem teto e tomada pelas árvores, a escola é o único cenário do espetáculo. “É um espaço cru, que se impõe”, comenta Marques. Só foram acrescidos ao local os bancos de couro giratórios nos quais se senta a plateia.

Não se trata de uma peça interativa, explica o diretor, mas o púbico é inserido na cena. “A gente provoca a plateia nesse papel de testemunha: faz cenas muito de perto e outras muito de longe.” QUANDO sex. a dom., às 18h; até 5/3 ONDE Vila Maria Zélia, r. Mário Costa, 13, tel. (11) 2081-4647 QUANTO grátis CLASSIFICA­ÇÃO 18 anos

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Da esq. para a dir.: Paulo Celestino, Ronaldo Serruya, Juliana Sanches, Rodolfo Amorim e Bruna Betito nas ruínas da escola abandonada onde é encenado o espetáculo ‘Teorema 21’

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