Folha de S.Paulo

Ausência de negros na premiação é um reflexo da indústria cinematogr­áfica

Poucas oportunida­des para negros nos principais filmes deveria ser a discussão; premiação é apenas consequênc­ia

- SANDRO MACEDO EDITOR-ADJUNTO DA “ILUSTADA”

Favoritos ao Oscar, “O Regresso”, “Mad Max: Estrada da Fúria” e “Spotlight - Segredos Revelados” têm algo em comum. A falta de atores negros no elenco principal.

Após a divulgação das indicações, a primeira discussão do Oscar não é sobre o possível fim do jejum de Leonardo DiCaprio ou se Sylvester Stallone será a fênix da temporada. O debate da vez é: por que não indicaram atores ou diretores negros?

A situação está longe de ser inédita e já aconteceu no ano passado —em 2014, “12 Anos de Escravidão” premiou a atriz coadjuvant­e Lupita Nyong’o; o ator Chiwetel Ejiofor e o diretor Steve McQueen também foram indicados.

A questão deveria ser outra: por que a indústria ainda dá pouco espaço aos atores ou diretores negros? Nas principais bilheteria­s do ano, os negros aparecem em papel secundário, como em “Star Wars: O Despertar da Força” (com John Boyega), “Vingadores - A Era de Ultron” (Samuel L. Jackson) ou “Jurassic World” (Omar Sy).

A maior bilheteria de 2015 de um filme dirigido e interpreta­do por negros é de “Sraight Outta Compton: A História do N.W.A.”, de F. Gary Gray, com Ice Cube e Dr. Dre, que arrecadou US$ 161 milhões —só a 18ª no ano.

Antes de atirar pedras na fina vidraça do Oscar, talvez fosse bom fazer outra questão, tão subjetiva quanto convocação da seleção: qual negro deixou de ser indicado? Will Smith, de “Um Homem entre Gigantes”? Michael B. Jordan, de “Creed”?

Quem puxou a fila das críticas ao “branqueame­nto” em 2016 foi Spike Lee, que usou o Facebook para manifestar sua indignação. “Não podemos apoiar isso”, postou o cineasta indicado duas vezes — pelo roteiro de “Faça a Coisa Certa” (1989) e pelo documentár­io “4 Little Girls” (1997).

“É mais fácil para um negro ser presidente dos EUA do que de um estúdio de Hollywood”, desabafou Lee.

De cara, ganhou o apoio da atriz Jada Pinkett Smith, mulher do supostamen­te injustiçad­o Will Smith —o casal vai boicotar a cerimônia.

Curiosamen­te, a presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematogr­áficas, que organiza o Oscar, é negra. Cheryl Boone Isaacs se disse “frustrada” com a celeuma.

“Como muitos de vocês sabem, implementa­mos mudanças para diversific­ar nossos membros nos últimos quatro anos. Mas a mudança não é tão rápida quanto gostaríamo­s”, defendeu-se.

INJUSTIÇAD­OS?

A lista de indicados ao Oscar de melhor ator quase espelha a categoria drama do Globo de Ouro: DiCaprio (“O Regresso”), Michael Fassbender (“Steve Jobs”), Eddie Redmayne (“A Garota Dinamarque­sa”) e Bryan Cranston (“Trumbo”). A quinta vaga na categoria foi de Will Smith?

Quem “roubou” seu lugar no Oscar foi Matt Damon, de “Perdido em Marte”, acomodado no Globo de Ouro como ator de comédia (?), artifício que o Oscar não tem... Ainda.

Com menos status que Smith, surge o inglês Idris Elba, nomeado no Sindicato dos Atores como coadjuvant­e por “Beasts of No Nation”.

Mas o problema aqui é outro: alguém acha que o maior prêmio da indústria de cinema daria espaço para uma produção da Netflix?

O Black Film Critics Circle Award, formado por críticos negros dos EUA, também elege os melhores da temporada. Em 2015, a honraria foi para “Creed”, do negro Ryan Coogler. O top 10 ainda tinha “Straight Outta Compton” (3º) e “Beasts of No Nation” (7º).

O prêmio de ator foi para Michael B. Jordan, de “Creed”, ausente das principais listas. A não indicação de atores negros neste ano parece mais um caso de oportunida­de do que de agenda do Oscar.

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