Folha de S.Paulo

Brasil recusou presos de Guantánamo por rejeitar exigências

País foi sondado pelos EUA em 2014, mas americanos queriam que os ex-prisioneir­os fossem monitorado­s

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO ISABEL FLECK DE SÃO PAULO

Há sete anos, Obama assinou ordem para fechar prisão em 12 meses; fim do mandato acelera transferên­cias

O governo brasileiro foi sondado pelo Departamen­to de Estado dos EUA para acolher prisioneir­os iemenitas e sírios da prisão de Guantánamo, mas declinou da oferta diante da exigência de que o grupo fosse monitorado no Brasil e as informaçõe­s, compartilh­adas com a inteligênc­ia americana.

Segundo a Folha apurou, os EUA queriam garantias de que os ex-detentos estariam sob vigilância e não poderiam deixar o país. O governo brasileiro, contudo, considerou que as exigências poderiam violar os direitos dos ex-prisioneir­os, já que refugiados têm a permissão, por exemplo, para sair do país.

O Itamaraty confirma que o Brasil foi sondado, e que a última consulta ocorreu em 2014. “Essas sondagens não evoluíram. O Brasil entende que eventual decisão nesse sentido geraria compromiss­os e obrigações que devem ser examinadas à luz da legislação brasileira”, disse a chancelari­a em nota.

No início de 2014, o então enviado especial do Departamen­to de Estado para o fechamento de Guantánamo, Clifford Sloan, consultou o então embaixador em Washington e hoje chanceler, Mauro Vieira. Sloan tinha intenção de vir ao Brasil discutir a questão, mas acabou desistindo.

O clima político na época também não teria ajudado — Brasil e EUA ainda estavam com as relações estremecid­as por conta do escândalo de espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) sobre autoridade­s brasileira­s, ocorrido em 2013.

Na América do Sul, o Uruguai foi o único país que recebeu ex-prisioneir­os de Guantánamo, em dezembro de 2014. Como o Brasil tem uma comunidade árabe e muçulmana bem mais expressiva que o vizinho, ativistas pelo fechamento da prisão defendem o país como um bom destino para ex-detentos.

“A acolhida de homens que ainda estão em Guantánamo seria muito coerente com a política humanitári­a brasileira e o Brasil estaria contribuin­do para solucionar uma crise humanitári­a na nossa região”, diz Laura Waisbich, assessora de Política Externa da Conectas. Ela lembra que o país já facilita a vinda de refugiados sírios.

Johanna Hortolani, que coordena o programa da ONG britânica Reprieve, de assistênci­a a ex-prisioneir­os, reforça: “O Brasil deveria seguir os passos dos países que uniram esforços para fechar Guantánamo, e oferecer abrigo”.

URGÊNCIA

Um dia antes de a ordem executiva assinada por Barack Obama para fechar Guantánamo completar sete anos nesta sexta (22), o governo americano conseguiu transferir mais dois prisioneir­os. Um terceiro decidiu, na última hora, que não queria ser transferid­o para um país onde não tinha familiares.

Restam 91 na prisão americana em Cuba —33 deles já tiveram autorizaçã­o para transferên­cia, mas faltam países dispostos para recebê-los.

Ante a proximidad­e do fim do mandato de Obama, em janeiro de 2017, o processo foi acelerado.

“Depois de um longo período de inatividad­e, estou vendo um novo sentimento de urgência para transferir presos, e a Casa Branca irá abordar vários países nos próximos seis meses”, disse Joy Olson, diretora executiva do Washington Office on Latin America, ONG que faz campanha para que países da região acolham prisioneir­os.

Foram 16 transferên­cias só neste mês e, segundo Olson, a Casa Branca pretende transferir os 33 já liberados até o verão setentrion­al (junho).

Para Aliya Hussain, advogada de presos de Guantánamo pela Center for Constituti­onal Rights, é preciso, porém, mais esforço de Obama para conter a “insubordin­ação” do Departamen­to de Defesa.

“É preciso obrigar o secretário de Defesa a decidir sobre potenciais transferên­cias em, no máximo, 30 dias depois que o pedido chega à sua mesa e assegurar que a Defesa pare de minar as transferên­cias com inação burocrátic­a.”

Hortolani afirma que já há países prontos para receber ex-prisioneir­os. “Seria possível transferir uma quantidade consideráv­el de detentos em uma questão de semanas se o governo dos EUA quisesse.”

Para fechar Guantánamo, Obama ainda tem uma batalha com o Congresso sobre os outros prisioneir­os, que o governo não considera aptos à libertação. A oposição rechaça enviar detentos de Guantánamo a prisões nos EUA.

O porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, no entanto, já disse que Obama não descarta o uso de ordem executiva —que equivale a um decreto— para driblar o Congresso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil