Folha de S.Paulo

Aprendizad­o tardio

- RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO - O dançarino carioca Bob Lester, falecido há pouco aqui, aos 99 anos, levou metade deles dizendo ter passado os anos 1940 trabalhand­o nos EUA com Carmen Miranda, o Bando da Lua, Frank Sinatra. Isso lhe valeu almoços grátis no Copacabana Palace, ajuda em dinheiro e muitas entrevista­s em jornais e TVs. Mas era tudo mentira. Seu nome não consta de nenhum documento ou recorte da época. Essa saga imaginária, que enganou tanta gente, acaba de ser contada por Fabio Brisolla (“Ilustríssi­ma”, 14/2).

Bob se via como um mentiroso do bem. Não achava grave roubar a vida alheia —como fazia com Affonso Ozório e Harry Vasco de Almeida, membros de verdade do Bando da Lua. Affonso era baixinho, moreno e de cabelo liso, e Harry, também baixo, era branquinho e de cabelo crespo. Bob, mulato e alto, apontava para um deles numa foto e dizia, “Este sou eu”. E todos acreditava­m.

Até sua vida pessoal era fictícia. Inventou para si mulheres e filhos que morreram em desastres horríveis, e que seus parentes em Realengo nunca viram. Jurava também ter jogado futebol por um time do interior gaúcho e que, ao enfrentar o Botafogo, anulava Heleno de Freitas a ponto de este não ver a bola. Só que, pela cronologia, Bob devia estar com o Bando da Lua nos EUA no tempo de Heleno.

Outra mentira era quando mostrava uma foto do Bando da Lua ao lado de Frank Sinatra e de sua mulher Barbara. Ora, aquela formação do conjunto se desfez em 1942, e Sinatra e Barbara só se casaram em 1976. Era uma montagem óbvia, feita com goma arábica.

Toda boa mentira precisa ter um fundo de verdade para parecer convincent­e. As de Bob não tinham. Ele confiava na boa fé ou na preguiça das pessoas a quem as contava —sabia que não seriam checadas. Mas, ou aprendemos a checar informaçõe­s ou não sobreviver­emos como nação.

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