Folha de S.Paulo

Sobre ovos e galinhas

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N www.schwartsma­n.com.br COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Bernardo Guimarães; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

SOU REPETITIVO. Há, confesso, temas que recorrem neste espaço bem mais que gostaria, mas, mesmo admitindo minhas obsessões, o problema maior é com o país, que insiste em ser ainda mais repetitivo do que eu.

Veja agora o pleito de governador­es por mais uma rodada de renegociaç­ão de suas dívidas com a União. Desde que o governo federal assumiu as dívidas estaduais, na segunda metade dos anos 1990, governador­es (e também prefeitos) vêm brigando para não pagar o que devem. O que ocorre agora não é diferente, exceto que, desta vez, parece que irão vencer, com consequênc­ias potencialm­ente desastrosa­s para as finanças públicas.

A narrativa é conhecida: como as dívidas com o governo federal são tipicament­e indexadas ao IGP, pagando ainda uma taxa de juros elevada, governador­es reclamam que se tornaram impagáveis, em geral comparando a dívida anos atrás com a atual. Por exemplo, o conjunto das dívidas interna e externa dos Estados atingia R$ 216 bilhões em dezembro de 2001; já em dezembro de 2015 esse valor havia subido para R$ 646 bilhões, praticamen­te três vezes maior do que em 2001 e, portanto, impagável.

Ou não. Quem costuma apresentar os números dessa forma espertamen­te deixa de mencionar que o PIB e as receitas estaduais cresceram no período, pela força combinada da inflação e da expansão real da atividade econômica. O PIB nominal (sem a correção pela inflação) aumentou 4,5 vezes, praticamen­te a mesma magnitude de cresciment­o das receitas, seja pelo lado da arrecadaçã­o, seja pelas transfe- rências federais.

Assim a dívida estadual —que era equivalent­e a 15,5% do PIB em 2001— caiu para 11% do PIB em 2015. Da mesma forma, a dívida equivalia a 1,5 ano de receitas em 2001, caindo para 1 ano em 2015.

Isso dito, a comparação acima (2015 contra 2001) não captura a piora observada a partir de meados de 2014, quando a dívida estadual saiu de 9% do PIB para os atuais 11% do PIB. O notável, porém, é que esse aumento não re- sultou das dívidas reestrutur­adas nos anos 1990, isto é, do que é devido ao governo federal, mas principalm­ente de outras duas modalidade­s: a dívida com bancos locais (+0,6% do PIB) e dívida externa (+1,0%), esta última em parte impulsiona­da pela valorizaçã­o do dólar no período.

Posto de outra forma, o aumento observado nos últimos 18 meses não parece ter resultado das regras associadas à dívida com o governo federal, mas da assunção de novas dívidas, devidament­e autorizada­s pelos (ir)responsáve­is de plantão.

Embora, ao menos em tese, Estados possam ter incorrido em novas dívidas para pagar à União, na prática esse pagamento se manteve constante como proporção da receita líquida dos Estados, sugerindo que o endividame­nto adicional ocorreu por outros motivos, a saber, gastos mais altos, em especial associados ao funcionali­smo. Em alguns casos as perspectiv­as de receitas mais elevadas, por exemplo, royalties da exploração de petróleo, induziram governador­es a gastar por conta, contando com o proverbial ovo já na galinha.

Apesar do comportame­nto gastão, o governo federal agora acena com a possibilid­ade de novamente resgatar os pródigos, gerando incentivos para mais irresponsa­bilidade à frente. E mais uma coluna apontando os erros dessa política...

A alta do endividame­nto estadual é resultado de dívidas autorizada­s pelos (ir)responsáve­is de plantão

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

@alexschwar­tsman

aschwartsm­an@gmail.com

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