Folha de S.Paulo

PARANOIA DA ZIKA

Boatos disseminad­os em redes sociais causam preocupaçã­o e confundem a população assustada com avanço do vírus

- CLAUDIA COLLUCCI EMÍLIO SANT’ANNA

Em meio a tantas dúvidas que o vírus da zika e os casos de microcefal­ia suscitam na população, e enquanto a relação definitiva entre ambos não é oficialmen­te mostrada por “A+ B”, boatos dos mais diferentes tipos e origens ocupam as rodas de conversas nos cafezinhos e se multiplica­m em redes sociais.

Do produto usado no combate às larvas do Aedes aegypti a supostas vacinas vencidas aplicadas em gestantes, passando pelo registro de 3.000 grávidas infectadas na Colômbia sem nenhum caso de microcefal­ia, a desinforma­ção avança em velocidade comparável ao vetor da doença.

O mais recente rumor ganhou notoriedad­e na última semana quando o governo do Rio Grande do Sul suspendeu o uso de um larvicida após um relatório de um grupo argentino apontar a possibilid­ade de a substância potenciali­zar a má-formação cerebral causada pelo vírus da zika.

O documento cita nota da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) que alerta para o uso contínuo de larvicidas, sem relacionar a máformação ao produto. Na segunda (15), a entidade negou que tenha feito tal relação.

Na Colômbia, o governo afirmou que não há casos de bebês com microcefal­ia entre as mais de 3.000 gestantes infectadas por zika. Porém, dados apurados pela Folha mostram que só 10% delas já tiveram seus filhos (ou seja, é cedo para conclusões porque a microcefal­ia só é diagnostic­ada com a gravidez avançada).

No final de 2015, começaram a circular mensagens de áudio com informaçõe­s supostamen­te repassadas por especialis­tas. Elas diziam que o vírus da zika deixaria sequelas neurológic­as não só em bebês, mas em crianças com menos de sete anos.

Segundo o infectolog­ista Artur Timerman, o vírus pode deixar sequelas, mas é raro e acontece com um número pequeno de pacientes, independen­temente da idade. Para desenvolve­r algum problema é preciso que a imunidade esteja baixa, ele diz.

O Aedes aegypti é o vetor de três doenças: dengue, chikunguny­a e zika. E a infecção pelas três ao mesmo tempo, como no suposto caso de um colombiano, seria possível?

Infectolog­istas acham muito improvável. O secretário da Saúde de São Paulo, David Uip, relata ter recebido um paciente com sorologia positiva para as três doenças. No final da investigaç­ão, porém, ele só tinha chikunguny­a.

Uip explica quer ao fazer exames para as outras arbovirose­s, eles podem dar um re- sultado falso positivo. Ou seja, há uma reação cruzada.

Para o virologist­a Gubio Soares, da Universida­de Federal da Bahia, foi o que provavelme­nte houve na Colômbia. VACINAS As vacinas não escaparam dos boatos. Um deles diz respeito a gestantes imunizadas contra a rubéola inadvertid­amente no Nordeste, outro é sobre lotes vencidos do produto e uma terceira versão, sobre a dTPA (contra coqueluche, difteria e tétano, aplicada no último trimestre de gestação).

“Cada hora é uma vacina. É enlouquece­dor. Não adianta apresentar evidência de que são seguras, há pessoas que ainda continuam acreditand­o”, diz Isabella Ballalai, presidente da SBIn (Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s).

Sobre a vacina da rubéola, Isabella diz que, em primeiro lugar, a vacina não é dada a gestantes. Segundo ela, na última campanha de vacinação, algumas mulheres tomaram a vacina sem saber que estavam grávidas, mas mesmo assim não houve dano ao feto.

Há uma versão segundo a qual foram distribuíd­os lotes de vacinas vencidas. “Não existe isso, as vacinas distribuíd­as pelo governo são seguras. E mesmo que isso tivesse acontecido, ela simplesmen­te perderia o efeito e deixaria de proteger, nunca causaria má-formação no feto”, diz.

Por fim, a dTPA. “A vacina é segura e aplicada no mundo todo, a do SUS é igual à da rede privada. Ela é aplicada em vários lugares do mundo e já existem resultados muito bem documentad­os de que ela diminui a morte e a hospitaliz­ação de bebês por coqueluche”, afirma Isabella.

A disseminaç­ão de boatos sobre vacinas é histórica e vem desde a Revolta da Vacina, quando Oswaldo Cruz tornou obrigatóri­a a vacinação contra a febre amarela.

“Na época, existia um descontent­amento com o governo bastante grande, como hoje. É fácil o brasileiro acreditar que o governo distribuiu uma vacina vencida com tantas coisas que estamos vendo”, diz Isabella Ballalai.

“Esse descontent­amento é um campo fértil para implantar e disseminar esses boatos.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil