Folha de S.Paulo

A coisa ficou preta!

- PRÓXIMOS COLUNISTAS Cerveja - Sandro Macedo; Fome - Paulo Tiefenthal­er; Vinhos - Alexandra Corvo

EM JULHO, no restaurant­e Next, em Chicago, me serviram o que parecia ser uma fogueira apagada. Sobre carvalho queimado vinham pepitas negras que pareciam incinerada­s. O garçom tacou fogo no conjunto e, quando a chama se apagou, o ar se perfumou com um aroma defumado. Os bocados eram, na verdade, barriga de porco passada em molho romesco.

Valeu tanto pelo sabor (ótimo) como pelo fator espetacula­r, igualmente importante em restaurant­es estrelados, como é o caso do Next (do famoso Grant Achatz, durante anos cotado como número um dos Estados Unidos).

Não foi a primeira vez que me deparei com um prato negro e indecifráv­el. O mais conhecido deles é a famosa vitela passada na cinza (negra) de legumes do chef Andoni Aduriz, do Mugaritz, na Espanha —mas há muitos outros. Nina Horta falou há dias da vitela com cara carbonizad­a em sua coluna e anunciou: “As cinzas e o carvão são o novo negro”. Eu iria além: o negro faz parte da nova mania.

Desde 2012 o Burger King serve hambúrguer­es Kuro (negro, em japonês) no Japão. A última versão, além do pão preto (que tem carvão de bambu na massa), leva cheddar e molho pretos. Em 2014, o McDonald’s do Japão copiou a ideia.

Há cada vez mais pretices comestívei­s surgindo pelo mundo afora, das ostras com carvão do Akrame, em Hong Kong, às pedras de parmesão do restaurant­e Quique Dacosta, na Espanha. Às vezes, os chefs querem passar notas de fogo e defumado e as cinzas ou o carvão têm sabor. Mas quase sempre o negrume tem mais valor estético do que gustativo.

Isso é especialme­nte verdade no caso dos drinques. O bar londrino Bull in a China Shop usa carvão de coco para tingir seu old fashioned, enquanto em Toronto a margarita do bar Carbon leva tequila infusionad­a em carvão ativado. Ambos pretos como noite de apagão.

Uns, como o chef japonês Yoshihiro Narisawa (sim, ele também faz uma carne passada em pó carbonizad­o), dizem que carvão tem efeito detox. Ajuda a curar dor de barriga, isso sim. No mais, carvão não faz nem bem nem mal, só enche os olhos.

Usando carvão ou tinta de lula, restaurant­es, bares e fast foods estão tingindo suas receitas de negro

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