Folha de S.Paulo

Luiz Sérgio Person, cineasta morto há 40 anos, é tema de mostra em SP

Filhas e viúva assinam curadoria de mostra sobre Luiz Sergio Person, na qual revelam facetas obscuras do diretor de ‘São Paulo, Sociedade Anônima’, morto há 40 anos

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

Luiz Sergio Person viveu pouco, 39 anos. Em 2016, serão 40 anos de morte (seu carro bateu de frente com um ônibus) e 80 de nascimento.

Viveu o bastante para se firmar como um dos grandes do cinema brasileiro dos anos 1960. Mas o rótulo de cineasta é ralo para o também diretor teatral, que polemizou ao pôr Ney Latorraca e Paulo Goulartves­tidos demulherem “Orquestra de Senhoritas”. Ou o publicitár­io que inovou até em comercial de margarina.

Person foi de ator de teleteatro a fundador do próprio palco (o atual Teatro Augusta), numa trajetória plural contada em “Ocupação Person”.

Com curadoria da viúva, Regina, das filhas Marina, 47, e Domingas, 44, e da equipe do Itaú Cultural, a mostra abre neste sábado (20), dando sequência à série de ocupações no espaço, que já contemplou de Nelson Rodrigues a Laerte.

Abarcará exibição de fil- mes, reencenaçã­o de peças — uma delas, “Entre Quatro Paredes”, com a participaç­ão da filha caçula— e memorabíli­a.

Para definições tão redutoras quanto um verbete de Wikipedia, Person foi um homem do cinema. Dirigiu Eva Wilma e Walmor Chagas em “São Paulo, Sociedade Anônima” e escalou Raul Cortez e Juca de Oliveira para outro clássico seu, “O Caso dos Irmãos Naves”.

Foi além desses filmes mais “cabeça”, com um pé no neorrealis­mo italiano. Ele dirigiu o humorista Ronald Golias (“Um Marido Barra Limpa”) e Paulo José (na pornochanc­hada “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor”). Com José Mojica Marins e Ozualdo Candeias, fez “Trilogia do Terror”.

Em seu segmento, “Procissão dos Mortos”, inspira-se na mortede CheGuevara e põe Lima Duartede pai do garoto que vê guerrilhei­ros fantasmas.

“Ele sempre foi muito livre-atirador”, afirma Regina, que o conheceu quando era sua aluna na Escola de Comunicaçã­o da USP. “Nunca foi des- te ou daquele grupo.” Como o do Cinema Novo, “que tinha o alto-falante imenso que era o Glauber Rocha”. A patota do Glauber, diz, possuía “um discurso que servia de canto de sereia, mas não tinha diálogo [com os outros cinemas], era pequeno burguês”.

Person não temia o popular. Em 1966, idealizou “SSS contra a Jovem Guarda”, com ro- teiro de Jô Soares e Jean-Claude Bernardet. Na obra, Roberto Carlos, ao lado de Wanderléa e Erasmo Carlos, enfrentari­a conservado­res que o raptavam. O cantor desistiu do projeto, e Person extravasou jogando “pastelões” (encomendad­os para uma cena de briga de comida) nas paredes do set.

O cineasta tinha ambição. Pensou em Marlon Brandopa- ra “A Hora dos Ruminantes”, que se seguiria aos “Irmãos Naves” numa trilogia sobre a violência. Jamais realizado, o filme ganhou, na exposição, uma “crítica ficcional” do escritor Lourenço Mutarelli.

PALCO

Outra empreitada que empacou: sua adaptação para “Trotsky no Exílio”, peça de Peter Weiss. Em vão, Person apelou à censura do regime militar: se a proibição persistiss­e, “teríamos que acreditar no absurdo de que, no Brasil, certos fatos [...] são banidos das fontes de informação cultural”. A carta está na mostra.

“O Person do teatro, uma faceta que poucos conhecem, é com certeza a mais curiosa”, diz Domingas, lembrando de títulos como “El Grande de Coca-Cola”.

Em parte, Person abraçou o teatro porque faltava dinheiro para seus longas. “Claro que existia uma frustração de, naquelemom­ento, não conseguir realizar o cinema que queria, mas ele sempre teve relação com o meio, foi ator de teleteatro.” Outra vez no palco, já comodireto­r: uma óperacom soprano de minissaia e tenor de barba e cabelo comprido. Horrorizou a “intelligen­tsia”.

E teve a publicidad­e. Com o fracasso em criar um novo Mazaroppi no filme “A Panca do Valente” (1968), e com a recém-nascida Marina Person, ele bateu na porta das agências atrás de dinheiro.

Fez propaganda­s do uísque Drurys (com Nelson Motta novinho) e da Doriana. Para vender margarina, introduziu a técnica do cinema direto: sem roteiro, com Jorge Bodanzky na câmera, perguntava a anônimos sobre o produto. “Ele queria se matar, porque diziam ‘delícia!’, o nome da marca concorrent­e”, diz Regina.

Entre os projetos interrompi­dos pela morte precoce estava “Pegando Fogo”, peça coescrita com Ricardo Kotscho sobre o golpe de Getúlio Vargas em 1930. “O desespero dele era que todos os acontecime­ntos políticos no Brasil acabassem em Carnaval.”

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Luiz Sergio Person no set de ‘São Paulo, Sociedade Anônima’, de 1965
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Fotos Divulgação Cineasta, em foto sem data, ao lado de um carro na Itália

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