Folha de S.Paulo

O poeta de pedra

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RIO DE JANEIRO - Amigos do jornal “O Trem Itabirano”, de Itabira, MG, terra do poeta Carlos Drummond de Andrade, estão revoltados com o excesso de estátuas de Drummond em sua cidade. Pisca-se um olho e surge uma, numa rua, praça, escola e até diante da Câmara dos Vereadores. Pelas últimas contas, são seis. Essa febre é estimulada pelos políticos, sumidades e escultores locais —um destes é autor de quatro das seis estátuas.

O Rio, como se sabe, também tem sua estátua de Drummond. Só uma. Fica em Copacabana, é querida pela população e não sem motivo —ele morou aqui 53 dos seus 84 anos. O Rio tem mais de 6 milhões de habitantes; Itabira, cerca de 110 mil. Por esta proporção, é como se o Rio tivesse 360 estátuas de Drummond. E olhe que, em vida, ele sempre manifestou sua desaprovaç­ão a bustos, estátuas, efígies, santinhos e homenagens de qualquer tipo. Nunca quis pertencer à Academia, levou décadas sem dar entrevista­s e só abria a boca para dizer com licença e obrigado. Fui-lhe apresentad­o duas vezes e, em ambas, mal o ouvi tartamudea­r muito prazer.

O paradoxal nessa orgia de estátuas é que, segundo “O Trem”, não há uma onda equivalent­e de interesse pela obra de Drummond em Itabira. A maioria dos professore­s não vai muito além do “No meio do caminho”. A única livraria da cidade não é particular­mente abastecida de seus livros. Não se tem consciênci­a de que ele é bom de ler e um dos poetas mais deliciosos da língua.

Distribuiç­ão de livros de Drummond para crianças das periferias e zonas rurais, uma biblioteca drummondia­na mantida pela prefeitura ou um festival anual de literatura que faça de Itabira um polo cultural, nada disso, sempre segundo “O Trem”, passa pela cabeça dos governante­s.

O filho mais ilustre de Itabira está sendo reduzido ao grande produto da região: o minério de ferro.

ANDRÉ SINGER

avsinger@usp.br

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