Folha de S.Paulo

Mais eleição nem sempre é mais democracia

- IVAR HARTMANN

Uma das noções mais intuitivas de Justiça é a de que jogadores não podem alterar em benefício próprio as regras do jogo durante seu andamento. É isso que cogitam alguns membros do governo com a proposta de novas eleições presidenci­ais.

Na Constituiç­ão do Brasil —e de muitos outros países— a máxima de que não se alteram as regras do jogo durante seu andamento é uma das consequênc­ias da adoção do princípio do Estado de Direito ou “rule of law”. A aplicação desse princípio geral para resolver a questão das novas eleições precisa ser guiada por normas mais concretas.

Uma delas é a exigência explícita de que o voto seja periódico. Como bem explicou o editorial “Eleição Constituci­onal”, recentemen­te publicado pela Folha, essa garantia de nossa Constituiç­ão visa proibir excessos em duas pontas diferentes. Eleições de menos, mas também eleições demais.

Tão ruim quanto trocar os representa­ntes somente a cada 15 anos é substituí-los a cada 15 meses. Mais eleições não necessaria­mente significa mais democracia.

O governo costuma lembrar que a presidente Dilma Rousseff foi eleita com 54 milhões de votos. Esses votos eram para um mandato segundo as regras constituci­onais válidas à época da eleição. Elas incluem mandato de quatro anos e possibilid­ades excepciona­is de renúncia, impediment­o ou cassação. Se mudar essas regras para apoiar novas eleições presidenci­ais agora, o governo estará agindo contra a legitimida­de dos milhões de votos que sempre exaltou.

A regra do voto periódico exige eleições com uma frequência razoável. Essa frequência implica também previsibil­idade. Um sistema estável de escolha dos representa­ntes. Qualquer nova regra sobre as eleições deve ter caráter permanente. A possibilid­ade de reeleição não foi incluída na Constituiç­ão apenas para Fernando Henrique Cardoso. Passou a valer para todos e para sempre, a partir daí.

A proposta de novas eleições é por natureza suspeita porque constitui uma alteração pontual, excepciona­l. Apenas Dilma teria acesso a essa “saída honrada”. Uma emenda constituci­onal personaliz­ada.

Outra regra que ajuda a dar significad­o para o princípio do Estado de Direito é a proibição de alterar a Constituiç­ão durante tempos conturbado­s e excepciona­is.

Há expressa proibição de realizar emendas durante estado de defesa ou de sítio. Alterar regras essenciais do jogo político durante uma gravíssima crise política também é suspeito e exige como fundamento alguma necessidad­e especial.

O contexto da proposta de novas eleições não dissipa essas suspeitas. Pelo contrário, apenas as confirma. O resultado buscado pode perfeitame­nte ser obtido sem mudar as regras do jogo.

PT e PMDB podem redigir um documento de renúncia conjunta de Dilma Rousseff e Michel Temer, que seria assinado por ambos. Novas eleições viriam automatica­mente em 90 dias. Mas essa opção prejudicar­ia a reputação da presidente, de seu vice e do seus respectivo­s partidos. Eles não querem arcar com esse custo.

A estabilida­de institucio­nal garantida a duras penas durante quase três décadas seria evaporada para a conveniênc­ia desses dois partidos e seus líderes. A cada nova crise, a resposta seria mexer nas regras essenciais do jogo.

A realização de novas eleições presidenci­ais neste momento significar­ia a mudança de um elemento vital da Constituiç­ão Federal, manejada em interesse exclusivam­ente próprio daqueles hoje no poder. É precisamen­te contra isso que a garantia do Estado de Direito protege os cidadãos brasileiro­s.

IVAR HARTMANN,

A guinada do cardume de anchovas, conforme pesquisa Datafolha com os deputados, está pendendo para o lado dos defensores da pátria, ou seja, os próimpeach­ment (“Na Câmara, 60% dizem votar pelo impeachmen­t”, “Poder”, 8/4). Quando acontecer a votação e o parlamenta­r, ao vivo e em cores para todo o Brasil, for explanar o seu voto, ele pensará mais no umbigo do que no desgoverno falido e irá votar conforme a maioria (“Deputados e anchovas”, “Opinião”, 8/4).

REINNER CARLOS DE OLIVEIRA

São 60% dos deputados a favor do impeachmen­t —os golpistas não terão os votos necessário­s (67% da Câmara) para derrubar a presidente. Felizmente, para o bem da democracia.

ANTONIO AUGUSTO BARELLA

Foi reconforta­nte e encorajado­r ler “A Lei de Newton da luta armada” (“Poder”, 8/4), de Reinaldo Azevedo, denunciand­o a “notável perda de parâmetros” que ocorre na República. Quando as mais altas autoridade­s dela cedem espaço público para os que anunciam, de forma raivosa e espandonga­da, a futura prática de atos, capitulado­s como crimes pelo Código Penal, é sinal de que a democracia está sendo efetivamen­te solapada por aqueles que se consideram dela defensores.

NEWTON DE LUCCA

RESPOSTA DO JORNALISTA PAULO SALDAÑA -

Em seu artigo, publicado na íntegra na mesma página da reportagem, o secretário trata “segurança e Justiça como emblemátic­as”. E completa: “Tudo o mais, deveria ser providenci­ado por particular­es”. As explicaçõe­s do secretário, assim como a forte reação negativa de educadores e especialis­tas a seu artigo, foram contemplad­as no texto.

Não compreendo a reação ao artigo. Li a reportagem e não entendi. Especialis­tas discordam da posição do secretário. Mas por quê? Ele defende que o Estado não tem de ser babá das pessoas, ou seja, não tem de ser assistenci­alista. Está certíssimo!

MARIA G. ALBUQUERQU­E COSTA GONÇALVES

O articulado secretário reflete com precisão o que pensa a elite estereotip­ada que domina o Brasil há mais de 500 anos. Sugiro que ele escreva um texto em que defenda a redução do seu salário e dos demais secretário­s, “aspones” e outras vantagens pagas com o dinheiro do contribuin­te.

VALDIR DE CORDOVA BICUDO

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