Folha de S.Paulo

E agora, Folha?

- DEMÉTRIO MAGNOLI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

DOMINGO PASSADO, Dilma Rousseff saboreou um inesperado triunfo, servido no editorial de primeira página da Folha (“Nem Dilma nem Temer”, 3/4/16). Repetindo o que tantos pediram, sem sucesso, ao longo do último ano, o maior jornal do país envia uma mensagem decepciona­nte: o destino de uma presidente “que perdeu as condições de governar” deve depender, exclusivam­ente, da vontade dela mesma. “Eu jamais renunciare­i”, retrucou a presidente, de bate-pronto. O tempo passou na janela, e só a Folha não viu.

As críticas do editorial à solução do impeachmen­t oscilam pendularme­nte entre os registros da política e do direito. As “pedaladas fiscais”, razão jurídica perfeita para o impediment­o, não preenchem o requisito político “numa cultura orçamentár­ia ainda permissiva”. Os múltiplos “indícios de má conduta”, razão política irrefutáve­l para a deposição constituci­onal, não preenchem o requisito jurídico pois “falta comprovaçã­o cabal”. A equação argumentat­iva da Folha foi formulada por um matemático decidido de antemão a rejeitar a alternativ­a do impeachmen­t.

A raiz da posição do jornal encontra-se sorrateira­mente explicitad­a em outro lugar: o impeachmen­t deixaria “um rastro de ressentime­nto”, pois “mesmo desmoraliz­ado, o PT tem respaldo de uma minoria expressiva”. Tradução: a maioria da sociedade deve ceder à chantagem minoritári­a do “povo organizado”, aceitando um “novo normal” formado por violações jurídicas de baixo impacto político e crimes políticos ainda carentes de veredito jurídico. Mas, como é deselegant­e dizer isso, o editorial maquia suas manchas com o corretivo cremoso da inócua solicitaçã­o de renúncia ao mandato presidenci­al.

O tempo passou na janela. Antes das delações de Delcídio do Amaral e da Andrade Gutierrez, e antes da nomeação de Lula à Casa Civil, havia bons motivos para questionar o impeachmen­t. Hoje, porém, à luz do dia, o Planalto comete sucessivos crimes de responsabi­lidade. Nas palavras do próprio editorial, “a administra­ção foi posta a serviço de dois propósitos: barrar o impediment­o, mediante desbragada compra de apoio parlamenta­r, e proteger o expresiden­te Lula e companheir­os às voltas com problemas na Justiça”. Mas, estranhame­nte, a Folha descarta no nono parágrafo os crimes políticos que aponta no quinto. Na sequência, opera um salto argumentat­ivo arbitrário, oferecendo a saída da dupla renúncia da presidente e do vice.

Temer não está engajado em operações de obstrução da Justiça. Mas, segundo a lógica sofística do editorial, o vice ocupa lugar idêntico ao da presidente, pois “tampouco dispõe de apoio suficiente na sociedade”. Da imputação decorreria o imperativo da renúncia simultânea de ambos, abrindo caminho para novas eleições presidenci­ais. Mas, apesar das virtuosas intenções declaradas, o apelo do jornal apenas oferece um pretexto farisaico aos deputados que, por motivos pecuniário­s ou ideológico­s, ensaiam perfilar com o Planalto na votação do impeachmen­t. Afinal, por que trocar seis por meia dúzia?

Todo o poder ao povo! A solução imaginada pelo editorial produziria um governo calçado na legitimida­de eleitoral, não uma transferên­cia de comando para o sócio menor da coalizão que nos conduziu a uma tripla crise, econômica, política e ética. Contudo, o caminho até a antecipaçã­o de eleições presidenci­ais não passa pelo atalho utópico da dupla renúncia, pois Dilma “jamais” renunciará. Igualmente, não passa pelo longo contorno do TSE e do STF, pois a cassação da chapa Dilma/Temer depende de julgamento­s que só se concluiria­m em 2017, gerando eleições indiretas.

Se o jornal quer mesmo que o povo decida, tem o dever de apoiar o impeachmen­t —para, em seguida, solicitar a renúncia de Temer. A única alternativ­a é o túnel da anomia: Dilma até 2017, sucedida por um presidente escolhido pelo Congresso. E agora, Folha?

O jornal dá pretexto aos deputados que ensaiam perfilar com o Planalto na votação do impeachmen­t

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