Papa prega tolerância a gays e divorciados em documento
Divórcio “é um mal”, mas não deve ser discriminado, prega Francisco
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Tem uma abordagem mais pastoral, de proximidade com a comunidade católica, e pede que bispos e cardeais sigam com essa posição, em troca da visão mais doutrinária de seu antecessor, Bento 16
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Interveio no diálogo entre o governo da Colômbia e as Farc, e mediou conversas da retomada das relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba. Também defendeu acolher refugiados em visita a Lampedusa, na Itália, e viajará na semana que vem a Lesbos, na Grécia
Exortação sobre o amor e família mantém doutrina, mas inova na abordagem; CNBB diz que haverá mudanças
O papa Francisco reforçou nesta sexta-feira (8), em sua exortação apostólica sobre o amor na família, o discurso de que os sacerdotes devem ser mais tolerantes em relação a fiéis divorciados e homossexuais, sem romper no entanto com as posições doutrinárias da Igreja Católica.
No documento que vinha sendo debatido havia quase dois anos, o papa afirma que o divórcio “é um mal”.
Diz, porém, que é preciso avaliar caso a caso, já que divorciados que se casam pela segunda vez —e, pelas regras, não têm direito a comungar —“podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral”.
O texto prega o acolhimento dos divorciados em segunda união —um aceno que o pontífice fez no passado—, “promovendo a sua participação na comunidade”.
Francisco diz compreender os “que preferem uma pastoral mais rígida”. “Mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade”.
No documento de 264 páginas, Francisco afirma que “em cada país ou região é possível buscar soluções mais atentas às tradições e aos desafios locais”.
Com isso, o papa mantém sua busca por conciliar a existência de setores conservadores da Igreja com demandas mais progressistas de fiéis. MUDANÇA CULTURAL O vaticanista americano Thomas Reese afirma que o papa Francisco não mudou nenhuma doutrina ou ensinamento, mas altera a prática pastoral e vem mudando a cultura da Igreja Católica.
“Vemos a realidade da família concreta de forma diferente. No passado, enfatizava-se como [as pessoas] eram más por não alcançarem o ideal.” Na nova abordagem, diz Reese, o papa reforça o que há de positivo —como o amor e o compromisso— nas situações imperfeitas e reais do cotidiano das famílias.
Segundo dom João Bosco, presidente da comissão episcopal da CNBB para a vida e família, o papa volta atenção
PAPA FRANCISCO para palavras como “acolher, e compreender”.
“Nesse sentido, há esperança não só para os que vivem uma segunda união, mas todas aquelas que a Igreja chama de ‘irregulares’, em que há tantas pessoas feridas.”
Dom João Bosco diz que o texto não ficará “na gaveta” e deve trazer mudanças; mas as aberturas propostas, avalia, ainda devem ser esclarecidas. GAYS E ABORTO No texto, o papa volta a defender o respeito independentemente da “orientação sexual”. Durante os dois sínodos em que o documento foi discutido, o papa disse ter conversado com padres sobre a experiência de famílias com “pessoas com tendência homossexual”, “experiência que não é fácil nem para os pais nem para os filhos”.
Francisco, porém, não dá margem para interpretações sobre a oposição da Igreja à união gay. “As uniões de fato ou entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, não podem ser simplistamente equiparadas ao matrimônio.”
A observação foi criticada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. “Fica aquém do que a sociedade tem dito”, diz Carlos Magno, presidente da entidade
No texto, Francisco reitera também a posição da Igreja contra o aborto.
Não expõe uma proibição expressa a métodos contraceptivos, mas deixa isso implícito ao falar da educação sexual para crianças, especialmente sobre o foco no “sexo seguro”: “Estas expressões transmitem uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo de que é preciso proteger-se”.
Maria José Rosado, presidente da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, festeja trechos do texto em que o papa remete à consciência dos fieis em situações delicadas, mas diz que falta coerência com a rejeição aos métodos contraceptivos ou o aborto.
“O complicador é esse jogo que a Igreja faz entre querer apresentar um discurso mais aberto e adequado à sociedade contemporânea e ao mesmo tempo impedir a realização daquilo que ela propõe [escolha pessoal]. A consequência não vem”, avalia.
“
Um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações irregulares’, como se fosse pedras que se atiram contra a vida das pessoas
Leia o documento folha.com/no1758829