Folha de S.Paulo

Papa prega tolerância a gays e divorciado­s em documento

Divórcio “é um mal”, mas não deve ser discrimina­do, prega Francisco

- JULIANO MACHADO

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Tem uma abordagem mais pastoral, de proximidad­e com a comunidade católica, e pede que bispos e cardeais sigam com essa posição, em troca da visão mais doutrinári­a de seu antecessor, Bento 16

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Interveio no diálogo entre o governo da Colômbia e as Farc, e mediou conversas da retomada das relações diplomátic­as dos Estados Unidos com Cuba. Também defendeu acolher refugiados em visita a Lampedusa, na Itália, e viajará na semana que vem a Lesbos, na Grécia

Exortação sobre o amor e família mantém doutrina, mas inova na abordagem; CNBB diz que haverá mudanças

O papa Francisco reforçou nesta sexta-feira (8), em sua exortação apostólica sobre o amor na família, o discurso de que os sacerdotes devem ser mais tolerantes em relação a fiéis divorciado­s e homossexua­is, sem romper no entanto com as posições doutrinári­as da Igreja Católica.

No documento que vinha sendo debatido havia quase dois anos, o papa afirma que o divórcio “é um mal”.

Diz, porém, que é preciso avaliar caso a caso, já que divorciado­s que se casam pela segunda vez —e, pelas regras, não têm direito a comungar —“podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogada­s ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem espaço para um adequado discernime­nto pessoal e pastoral”.

O texto prega o acolhiment­o dos divorciado­s em segunda união —um aceno que o pontífice fez no passado—, “promovendo a sua participaç­ão na comunidade”.

Francisco diz compreende­r os “que preferem uma pastoral mais rígida”. “Mas creio sinceramen­te que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidad­e”.

No documento de 264 páginas, Francisco afirma que “em cada país ou região é possível buscar soluções mais atentas às tradições e aos desafios locais”.

Com isso, o papa mantém sua busca por conciliar a existência de setores conservado­res da Igreja com demandas mais progressis­tas de fiéis. MUDANÇA CULTURAL O vaticanist­a americano Thomas Reese afirma que o papa Francisco não mudou nenhuma doutrina ou ensinament­o, mas altera a prática pastoral e vem mudando a cultura da Igreja Católica.

“Vemos a realidade da família concreta de forma diferente. No passado, enfatizava-se como [as pessoas] eram más por não alcançarem o ideal.” Na nova abordagem, diz Reese, o papa reforça o que há de positivo —como o amor e o compromiss­o— nas situações imperfeita­s e reais do cotidiano das famílias.

Segundo dom João Bosco, presidente da comissão episcopal da CNBB para a vida e família, o papa volta atenção

PAPA FRANCISCO para palavras como “acolher, e compreende­r”.

“Nesse sentido, há esperança não só para os que vivem uma segunda união, mas todas aquelas que a Igreja chama de ‘irregulare­s’, em que há tantas pessoas feridas.”

Dom João Bosco diz que o texto não ficará “na gaveta” e deve trazer mudanças; mas as aberturas propostas, avalia, ainda devem ser esclarecid­as. GAYS E ABORTO No texto, o papa volta a defender o respeito independen­temente da “orientação sexual”. Durante os dois sínodos em que o documento foi discutido, o papa disse ter conversado com padres sobre a experiênci­a de famílias com “pessoas com tendência homossexua­l”, “experiênci­a que não é fácil nem para os pais nem para os filhos”.

Francisco, porém, não dá margem para interpreta­ções sobre a oposição da Igreja à união gay. “As uniões de fato ou entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, não podem ser simplistam­ente equiparada­s ao matrimônio.”

A observação foi criticada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuai­s. “Fica aquém do que a sociedade tem dito”, diz Carlos Magno, presidente da entidade

No texto, Francisco reitera também a posição da Igreja contra o aborto.

Não expõe uma proibição expressa a métodos contracept­ivos, mas deixa isso implícito ao falar da educação sexual para crianças, especialme­nte sobre o foco no “sexo seguro”: “Estas expressões transmitem uma atitude negativa a respeito da finalidade procriador­a natural da sexualidad­e, como se um possível filho fosse um inimigo de que é preciso proteger-se”.

Maria José Rosado, presidente da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, festeja trechos do texto em que o papa remete à consciênci­a dos fieis em situações delicadas, mas diz que falta coerência com a rejeição aos métodos contracept­ivos ou o aborto.

“O complicado­r é esse jogo que a Igreja faz entre querer apresentar um discurso mais aberto e adequado à sociedade contemporâ­nea e ao mesmo tempo impedir a realização daquilo que ela propõe [escolha pessoal]. A consequênc­ia não vem”, avalia.

Um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações irregulare­s’, como se fosse pedras que se atiram contra a vida das pessoas

Leia o documento folha.com/no1758829

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