Folha de S.Paulo

ANÁLISE Para Francisco, ser humano real vale mais do que idealizaçã­o

- REINALDO JOSÉ LOPES

FOLHA

Uma frase comum nos textos do papa Francisco, “A realidade é superior à ideia”, não está presente em sua exortação apostólica dedicada ao tema da família. Mas o conceito por trás dela permeia todo o documento.

Em vez de bancar o comentaris­ta de futebol e reiterar que “a regra é clara”, o pontífice decidiu retratar dilemas como a participaç­ão dos divorciado­s na Igreja ou as uniões estáveis como fenô- menos complicado­s, que exigem do catolicism­o resposta igualmente complexa.

No fundo, trata-se de uma opção pelo caminho do meio.

Ao recapitula­r os debates acirrados sobre esses temas que caracteriz­aram os sínodos (reuniões de bispos do mundo todo) de 2014 e 2015, o papa criticou tanto “o desejo desenfread­o de mudar tudo sem suficiente reflexão ou fundamento” quanto “o comportame­nto de quem pretende resolver tudo aplicando normativas gerais”.

Em vez de aderir a um des- ses extremos, o pontífice produziu um documento que não esboça alteração da doutrina católica tradiciona­l, mas defende uma interpreta­ção flexível quando se trata de acolher os fiéis que não a seguem e, o igualmente importante, acena para o fato de que os debates devem continuar.

Nesse sentido, alguns termos-chave da exortação são “discernime­nto” e “foro interno”. O primeiro diz respeito ao contínuo exame de consciênci­a que deve caracteriz­ar a vida cristã, enquanto o segundo se refere ao re- lacionamen­to próximo entre os fiéis e um sacerdote de confiança.

É diante desses elementos que o papa deixa aberta a possibilid­ade de divorciado­s que voltaram a se casar poderem receber a comunhão.

Um ponto importante é que isso ocorreria caso a caso — para o papa, há uma diferença teológica clara entre um fiel que, em sua segunda união, esforça-se por levar uma vida cristã irrepreens­ível e aqueles que saltam de um parceiro para outro sem se preocupar com o bem-es-

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