‘Crise política na América Latina vem de maturidade’, diz analista
DA ENVIADA ESPECIAL A LIMA
Há uma crise de representatividade na América Latina causada pelo amadurecimento da sociedade, mais alerta contra a corrupção e a atuação de partidos tradicionais.
Isso explica, para o jornalista Gustavo Gorriti, 67, as manifestações anticorrupção no Brasil, a eleição de um representante da “nova política” como Mauricio Macri na Argentina, o declínio do chavismo na Venezuela e a ascensão de uma candidata novata como Verónika Mendoza no Peru, cuja chance de ir para o segundo turno cresce.
Sequestrado pelo Exército durante a ditadura fujimorista e autor do livro “Sendero”, Gorriti é o principal jornalista investigativo do Peru.
Hoje, dirige o IDL-Reporteros, publicação digital que integra o projeto “Panama Papers” e investiga o envolvimento do presidente peruano, Ollanta Humala, na Lava Jato. Abaixo, os principais trechos de sua entrevistaà Folha, concedida em seu escritório, em Lima.
(SC) iniciativas como a dos juízes de Curitiba podem servir de referência. Mas, nos outros países, quem terá de liderar as denúncias é o jornalismo investigativo. E as Promotorias terão de investigar, pois haverá pressão social.
Para mim, a metodologia que empregaram as empreiteiras no Brasil é a mesma que se usa aqui e em outros países. Nunca estivemos tão perto de descobrir como operam essas estruturas no Peru, na Venezuela, no Panamá. A Lava Jato pode passar a ser o melhor produto de exportação do Brasil e promover uma mudança duradoura na democracia na América Latina. Para haver contaminação positiva, é preciso vontade política. Na Argentina, Macri falava em criar a Lei do Arrependido (para delações premiadas). Começam a surgir denúncias contra ele, e ele hesita.
Não acho essencial aprovar leis, mas sim que a sociedade esteja mais alerta. Entre o Brasil de [Fernando] Collor e o Brasil de hoje há uma diferença abismal no amadurecimento da sociedade. O mesmo ocorre nos outros países, e a Argentina é um deles. Por isso, quem deve liderar as denúncias no resto do continente é o jornalismo, e a Justiça, desta vez, terá de investigar, pois haverá pressão social. ComoéamudançanoPeru?
Houve uma reação forte dos políticos tradicionais contra Julio Guzmán, um tecnocrata independente que vinha de fora do sistema, construiu bem seu aparato de campanha e chegou ao segundo lugar nas pesquisas.
Houve pressão para o Tribunal Nacional de Eleições tirá-lo da disputa. E o fizeram, por meio da acusação de uma pequena irregularidade na inscrição de sua candidatura, que a outros se desculparia. Erros parecidos ou piores que o de Guzmán foram detectados nas candidaturas do [ex-presidente Alan] García e de Keiko Fujimori, mas nada se fez para impugná-los. ciedade até poderia reclamar da impugnação, mas depois acataria e votaria nos candidatos de sempre. O resultado está sendo outro, justamente porque a sociedade não está mais tão resignada para aceitar esse tipo de manobra.
Isso explica a ascensão de Mendoza e a grande participação na marcha antifujimorista da última terça (5). As pessoas foram às ruas por não estarem mais de acordo com essa forma antiga de fazer política. Se Mendoza de fato for para o segundo turno contra Keiko, o Peru estará vivendo um processo de mudança muito importante. A deliberação cria precedente para que casamentos entre pessoas do mesmo sexo possam ocorrer no país, majoritariamente católico. Casais homossexuais já podiam formar uniões civis na Colômbia, com muitos benefícios semelhantes aos do casamento —direito à herança, à pensão e a planos de saúde conjuntos. O direito de se casar, porém, que tem carga simbólica, não existia. Nas próximas semanas, é esperada a aprovação de uma nova regulamentação que legalize o casamento homossexual, refletindo a opinião majoritária da Corte de que a diferenciação entre união civil e casamento consiste em prática discriminatória. Na América Latina, apenas Brasil, Argentina e Uruguai permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
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ALavaJato pode passar a ser o melhor produto de exportação do Brasil e promover uma mudança duradoura na democracia na América Latina