Folha de S.Paulo

CRÍTICA Pesquisa documental recupera saga do Theatro Lyrico no Rio

Livro relata ascensão de um dos principais teatros do Brasil, demolido em 1932

- NELSON DE SÁ

“O casarão que foi tudo nesta cidade, desde circo até praça de manifestaç­ões, o centro da elegância e a ágora em dias que se perderam na grande noite dos tempos.”

Saudoso, o escritor Coelho Netto descrevia assim o Theatro Lyrico depois da demolição, em 1932. “Falassem aquelas pedras e muita indiscriçã­o viria compromete­r nomes, desfazer lendas, explicar tragédias.”

Oito décadas depois, Franciso José Vieira, pesquisado­r conhecido por um dos melhores capítulos da “História do Teatro Brasileiro” (Sesc/Perspectiv­a, 2012), sobre o impacto de companhias estrangeir­as a partir do final do séc. 19, achou um pequeno tesouro.

No arquivo pessoal do bisneto do construtor e proprietár­io do Theatro Lyrico, mantido com cuidado no Rio, estava “um mar de papéis, recortes, fotografia­s, programas”. O resultado é o livro “Palco e Picadeiro - O Theatro Lyrico”.

Do bailarino russo Alexander Sakharoff, num de seus figurinos célebres, às fotos de Sarah Bernhardt e Eleonora Duse, com expressões diversas de seus estilos lendários de atuação, são mais de cem ilustraçõe­s, algumas delas páginas amareladas de jornais.

É uma história do teatro e também de Bartholome­u Corrêa da Silva, que o ergueu como Imperial Theatro Dom Pedro II e mudou com a República, a contragost­o, para Lyrico.

Com “tenacidade” que lembra Zé Celso e o Teat(r)o Oficina, Bartholome­u enfrentou por décadas mudanças nos ventos políticos, ataques da especulaçã­o imobiliári­a e até a precarieda­de na regulament­ação do terreno.

Imigrante dos Açores, chegou ao norte fluminense aos 14. Com o tempo, montou armazém e, quando passou por lá um circo, abriu conta para as despesas. A dívida cresceu, e o dono do circo fugiu e deixou bilhete dizendo que o próprio circo era o pagamento.

Começou então a carreira do “diretor e proprietár­io” do Circo Olympico. Mudou-se para o “coração” do Rio, na frente do que é hoje o Largo da Carioca. As apresentaç­ões equestres e de ginástica logo se tornaram “o assunto da cidade, todos acorriam ao picadeiro”, até o imperador Pedro 2º.

Foi este quem sugeriu transforma­r a lona em teatro. Bartholome­u “empenhou tudo o que possuía” e abriu em fevereiro de 1870. Tinha 1.800 lugares, duas séries de camarotes e as galerias, chamadas “torrinhas”, frequentad­as por estudantes que fariam história com suas vaias.

O circo sobreviveu no picadeiro sob o assoalho removível da plateia. A acústica “de caixa de violino, provavelme­nte devido a essa tampa de assoalho, correria mundo”.

O Lyrico foi palco e picadeiro para incontávei­s óperas de Verdi a Carlos Gomes, para a estreia de Toscanini como regente e de Machado de Assis como dramaturgo. Ele escreveria que a população carioca se via, no Lyrico, “ameaçada de morrer de uma indigestão de prazeres”. AUTOR Francisco Vieira EDITORA 19 Design PREÇO R$ 40 (164 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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Apresentaç­ão no Theatro Lyrico

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