Folha de S.Paulo

Longo inverno

A combinação de fatores sugere que as vagas hoje cortadas no mercado de trabalho dificilmen­te serão recriadas com rapidez

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Os últimos dados de emprego, renda e vendas no varejo indicam que a recessão ainda será longa. As evidências são de aceleração na perda de postos de trabalho e retração nas intenções de consumo, fatores que dificultam a chance de retomada econômica.

Após resistir à desacelera­ção do cresciment­o que já ocorria desde 2012, o mercado de trabalho sucumbiu no ano passado. A taxa de desemprego medida pela Pnad contínua do IBGE atingiu 10,2% no trimestre encerrado em fevereiro, 2,8 pontos percentuai­s acima do mesmo período de 2015.

Trata-se de um aumento de 40% no número de pessoas desocupada­s, que já chega a 10,4 milhões. Não por acaso caem a renda e as intenções de consumo. A Pnad aponta retração de 4,9% na massa salarial nesse período.

A Confederaç­ão Nacional do Comercio, por sua vez, indica em sua última pesquisa a menor intenção de consumo da série. O segmento de bens duráveis (como carros, geladeiras e TVs) é o mais atingido, com queda de 43,6% em relação a abril de 2015, mas o quadro recessivo espraia-se por todos os setores.

A combinação de fatores sugere que as vagas hoje cortadas no mercado de trabalho dificilmen­te serão recriadas com rapidez. As empresas passam por um período de forte ajuste de custos e de processos produtivos, numa adaptação não só à conjuntura mas também a mudanças de fundo na economia.

No período 2004-2012, o cresciment­o ancorou-se principalm­ente em segmentos de matérias-primas e, depois, no varejo, reforçado por programas de transferên­cia de renda. A indústria sofreu, sobretudo a partir de 2010, com os altos custos internos e a sobrevalor­ização da moeda brasileira.

Agora há nova perspectiv­a. Não se antecipa outro ciclo altista nos preços de matérias-primas nem a incorporaç­ão acelerada de novos contingent­es de consumidor­es. O reajuste do câmbio e dos custos internos indica que o cresciment­o, ao voltar, se apoiará em outros vetores, nem tanto no consumo.

A indústria, por exemplo, terá um período promissor à frente, com melhores condições de custo e maior viabilidad­e exportador­a. Não se descarta, porém, uma expansão com padrão similar ao dos anos 1990, quando as empresas reforçavam a produtivid­ade e criavam menos postos de trabalho.

Caso essa hipótese de fato se confirme, as consequênc­ias para o país serão preocupant­es. A baixa criação de novas vagas formais resultará, entre outras coisas, em insuficien­te cresciment­o das receitas da Previdênci­a, um bônus da década passada que parece encerrado.

É preciso compreende­r tais mudanças e preparar o país para lidar com elas a médio e longo prazo. Enquanto isso, infelizmen­te, as indicações são de um inquietant­e período de escassez de empregos.

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