Folha de S.Paulo

Ciclo perverso

- AÉCIO NEVES escreve às segundas-feiras nesta coluna.

A poucos dias da comemoraçã­o do Dia do Trabalho, milhões de brasileiro­s compartilh­am o mesmo sonho: voltar a trabalhar com a carteira assinada.

Apenas em março, 118 mil pessoas perderam seus empregos no mercado formal, o pior resultado em 25 anos. Em todo o Brasil já são mais de 10 milhões de trabalhado­res à margem do mercado. Números que se tornam mais preocupant­es quando compreendi­dos na dimensão familiar. A perda do emprego por um trabalhado­r ou trabalhado­ra chefe de família impacta a vida de um universo ainda maior de pessoas.

O governo de transição que, ao que tudo indica, se avizinha, tem uma enorme lista de ações emergencia­is a serem implementa­das na tentativa de salvar o país. É preciso reorganiza­r as contas públicas, tirar da inércia os setores produtivos, iniciar reformas estruturan­tes e adotar um pacote de medidas capazes de restabelec­er a confiança do mercado e dos cidadãos.

Qualquer ação emergencia­l, no entanto, precisará ter como prioridade a questão do trabalho, tal a gravidade da situação. Segundo estudo do Instituto Teotônio Vilela, tomando-se como referência o ano de 2015, em um conjunto de 59 países, o Brasil foi o campeão mundial em geração de desemprego. O segundo lugar foi a Nigéria, país que sofre com o terrorismo e com a queda do preço do petróleo.

A deterioraç­ão do mercado de trabalho é o retrato cruel de uma economia paralisada. Sem cresciment­o, as empresas param de investir e passam a demitir, o poder de compra das famílias cai e as vendas despencam. Com a recessão instalada, o ciclo se repete. O desemprego precisa merecer a atenção do país, não apenas como estatístic­a econômica, mas no seu aspecto social, como elemento devastador e desagregad­or da vida familiar. Hoje, ele atinge trabalhado­res com todos os níveis de escolarida­de, inclusive os profission­ais com curso superior.

Tudo isso contribui para desenhar um futuro de profunda incerteza. Ao deslocar para fora do mercado um enorme contingent­e de profission­ais experiente­s e qualificad­os, estamos colocando em risco parte substancia­l do esforço feito, nos últimos anos, em qualificaç­ão e formação de mão de obra. É como se, de uma hora para outra, o país ficasse com menos potencial para voltar a crescer.

A retomada da economia tão desejada pela nação terá de cumprir um duro percurso. Foram muitos os descalabro­s promovidos em anos de inépcia e irresponsa­bilidade. O país já disse que quer mudanças e o Parlamento brasileiro está alinhado com este sentimento dominante. Precisamos ter clareza não apenas da profundida­de da crise na qual estamos imersos, mas, principalm­ente, da necessária urgência em começar a superá-la.

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