Folha de S.Paulo

Parasitas da agonia

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SÃO PAULO - O longo intervalo entre a votação do impeachmen­t na Câmara e o juízo para instalá-lo, no Senado, expõe Dilma Rousseff a um triste espetáculo. O “reality show” exibe a derrocada física e psicológic­a da figura que ocupa, sem exercer, o principal cargo da República.

Acada fala em que deslegitim­a a arquitetur­a constituci­onal, a mesma responsáve­l por sua ascensão, Dilma se distancia mais da respeitabi­lidade. O pior castigo para um mandatário compelido a discursar todo dia é não ser levado a sério.

Quem seria capaz de manter o equilíbrio, a coerência e o sentido de sua missão institucio­nal numa situação como essa? Quanta crueldade é obrigar um presidente de fato deposto —não há volta para quem reuniu contra si mais de 70% dos deputados— a definhar em praça pública!

O erro menor coube ao Supremo, que complicou a leitura deste trecho da Carta: “Admitida a acusação contra o Presidente, por dois terços da Câmara, será ele submetido a julga- mento perante o Senado nos crimes de responsabi­lidade”.

O voto derrotado do ministro Edson Fachin, que reconhecia ser da Câmara o papel crucial, ajustava-se melhor à natureza sobretudo política do impeachmen­t. Fachin deveria ser imitado na autoconten­ção que demonstra em face do Legislativ­o.

A culpa principal, contudo, é das lideranças que parasitam a lenta agonia de Dilma. Lula e o PT querem uma mártir para evitar o cisma que ameaça retirar da sigla a supremacia na esquerda. Renan Calheiros, Aécio Neves e outros figurões da centro-direita aproveitam o interregno para negociar a adesão ao novo governo.

Nenhum dos dois lados dá a mínima para salvaguard­ar seja a dignidade de Dilma Rousseff, seja a grandeza da Presidênci­a da República. Se recobrasse o discernime­nto, Dilma encontrari­a na renúncia a chave para explodir o conluio que promove esse impiedoso ritual de sacrifício. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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