O IMPÉRIO CONTRA-ATACA
Descendentes da família imperial brasileira querem usar o clima dividido no país para restaurar a monarquia, deposta há 127 anos
Vai achando que é só plebeu que protesta em Copacabana e na Paulista.
Entre a fauna que ganha visibilidade nas manifestações contra Dilma Rousseff, talvez já tenham chamado a atenção do leitor esporádicas bandeiras do Brasil imperial –na qual o globo azul é substituído por brasão e coroa.
Portando os estandartes estão os monarquistas brasileiros, que querem aproveitar o clima de uma pátria desunida para propor uma solução que olha para trás: por que não aproveitar para restabelecer o regime deposto por republicanos há 127 anos?
O monarquismo brasileiro tem à frente os descendentes de dom Pedro 2º, imperador morto no exílio.
Sua voz mais ativa hoje é dom Bertrand de Orléans e Bragança, 75, trineto de dom Pedro e segundo na hipotética linha sucessória do trono nacional. Chamado de alteza por assessores, Bertrand toca o movimento devido à saúde debilitada do irmão mais velho, Luiz, 77.
O príncipe nasceu na França —da qual guarda discreto sotaque— e já estreou nos atos de rua, sendo parado para sel- fies por súditos em potencial.
Embora propague o caráter suprapartidário que deve ter o monarca de um renascido império, Bertrand concentra suas críticas no PT, que vê como artífice de um plano para impor o socialismo ao país.
“Nossa bandeira é verde e amarela e jamais será vermelha”, repete incessantemente o príncipe em discursos e pronunciamentos pela internet.
Do alto de um carro de som, repudiou “os que têm como intenção implantar na nossa pátria o que fracassou do outro lado da cortina de ferro”.
Em conversa com a Folha em janeiro, o possível chefe do Poder Moderador disse apoiar os atos de rua, mas distingue “movimentos agitadores pagos, como MST” do “Brasil autêntico, que trabalha e dá certo”. SOLUÇÃO REAL É na insatisfação atual que o príncipe vê margem para atrair adeptos à ideia de recolocar os Orléans e Bragança na chefia do Estado.
Ele diz quehá cada vez mais interessados na causa, promovida on-line e nos protestos, com panfletos que destacam as virtudes da restauração.
Ele compara a tensão de eleições presidenciais a uma briga em família, na qual os filhos —no paralelo, os cidadãos— “perdem aquele respeito que têm em relação aos pais” (os políticos).
“Ao passo que a monarquia garante unidade, estabilidade e continuidade”, explica. “O Brasil está com saudade de um regime que faça à nação o que uma nação deve ser: uma grande família com destino comum a realizar.”
“Quando brasileiros bradam ‘Quero meu Brasil de volta’, bradam ‘Eu quero o Brasil do Cristo Redentor e de Nossa Senhora Aparecida’”, resume.
A retórica religiosa —presente, diga-se, desde os imperadores e a princesa Isabel— perpassa o discurso da família, que ainda hoje prepara seus descendentes para reocupar o trono. QUE REI SOU EU? Na prática, Bertrand propõe um regime “na linha do Segundo Reinado, mas atualizado de acordo com as circunstâncias”.
A tese de que deve ser um descendente dos imperadores do século 19 a portar a coroa rediviva não é consenso nem entre eles.
Dom João Henrique de Orléans e Bragança, 61, de outro ramo da família, diz que ninguém pode impor isso ao país.
Ele, que tem uma pousada em Paraty e é habitué dos protestos da orla carioca, diz ser, mais do que monarquista, parlamentarista. Mas argumenta que o sistema funcionaria melhor comum rei, mais neutro como chefe de Estado do que um presidente.
Apesar de não fazer questão que um dos seus reine, João ressalta: “As famílias reais são educadas desde pequenas com princípios que dizem respeito ao Brasil, às instituições, à democracia, e isso tem um peso público enorme. Ninguém de nós teve funções político-partidárias”.
Agora, dá mesmo para sonhar com um retorno do rei —já rejeitado em plebiscito em 1993, quando a monarquia só teve 10% dos votos?
Mais uma vez, Bertrand busca inspiração no passado. Conta que no fim da União Soviética eram comuns cartazes dos czares e a bandeira imperial entre a multidão.
O regime não foi substituído pela volta dos Romanov, mas o príncipe ainda gosta do paralelo. “Os brasileiros começam a se perguntar: ‘Valeu a pena a República?”