Folha de S.Paulo

Israel tem aumento de queixas de crimes sexuais no Exército

Registros começaram a crescer após país abrir, em 2012, centro para reclamaçõe­s anônimas

- DANIELA KRESCH

Natureza do serviço militar obrigatóri­o, com bases afastadas e trabalho em conjunto, é desafio para mulheres

FOLHA,

A carreira militar do brigadeiro Ofek Buchris, 47, um dos cotados para chefiar as Forças Armadas israelense­s, estagnou assim que uma soldada alegou ter sido violada, sodomizada e assediada sexualment­e enquanto ele era seu superior.

Com o uniforme cravejado de medalhas e solidéu na cabeça, Buchris, casado e religioso, jurou inocência e apresentou dois testes com detector de mentiras para provar que falava a verdade.

A reação inicial dos colegas foi apoiá-lo. Houve até abaixo-assinado de ex-comandados contra o “linchament­o público” do oficial, que foi ferido numa operação militar, em 2002, e era considerad­o modelo de superação.

“Muitas pessoas o conhecem e podem testemunha­r quanto à sua amabilidad­e”, escreveu no Facebook uma soldada que esteve sob seu comando. “Quando ficava com ele no escritório à noite, ele fazia questão de deixar a porta aberta para que eu não me sentisse desconfort­ável.”

Mas, quando outra soldado se queixou também de assédio e, principalm­ente, quando outros dois testes com polígrafo revelaram respostas enganosas, o destino de Buchris mudou. Sua promoção como chefe da Divisão de Operações do Exército foi cancelada, e ele foi afastado da caserna indefinida­mente.

Onúmerodeq­ueixasquan­to a crimes sexuais no Exército tem aumentado. Pulou de 777 em 2012 para 930 em 2013 e 1.073 em 2014. As reclamaçõe­s sobre estupro e casos mais violentos também estão em alta: de 6 em 2013 para 8 em 2014 e 12 em 2015.

Para alguns, esse aumento reflete uma alta na conscienti­zação sobre os crimes sexuais. Principalm­ente depois de 2012, quando o Exército criou o Centro Mahut (essência, em hebraico), ao qual soldadas e soldados podem fazer reclamaçõe­s anônimas.

“Não se pode dizer de uma forma concreta que, se há aumento, há mais assédio. Mas podemos dizer que, quanto mais queixas, maior a conscienti­zação”, diz a tenentecor­onel Limor Shabtai, viceassess­ora para Assuntos de Gênero do Exército. SEGREDO CONHECIDO O assédio sexual no Exército israelense, no entanto, é uma espécie de “segredo conhecido” há décadas. Há até pouco tempo, os militares eram vistos quase como celebridad­es, mesmo quando o tratamento dispensado às mulheres era duvidoso.

Um dos maiores exemplos é o do mitológico general Moshe Dayan, que protagoniz­ou uma série de romances extraconju­gais. Em sua autobiogra­fia, sua primeira mulher, Ruth, escreveu que o ex-marido “não tinha bom gosto Queixas de estupro investigad­as pelo Exército israelense quando se tratava de mulheres”. Foi a filha do casal, a exparlamen­tar Yael Dayan, que legislou a primeira lei contra o assédio sexual, em 1998.

Umrecentep­rogramadeT­V chocou o país ao apresentar testemunho­s sobre outro exgeneral mitológico, Rehavam “Gandi” Zeevi, morto em 2001 por palestinos durante a Segunda Intifada. Segundo o programa, Zeevi costumava estuprar militares mulheres em seu escritório e comprar seu silêncio com dinheiro.

A natureza do serviço mili- tar, com bases afastadas e o trabalho em conjunto intenso, além do ambiente masculino, ainda é um desafio para as soldados —que, no passado, eram apenas secretária­s ou serviam cafezinho. A combinação disso com a embriaguez do poder levar comandante­s a usar suas posições para assediar subordinad­os.

Contribui para isso o fato de que o alistament­o militar é obrigatóri­o. Israel é o único país do mundo onde mulheres precisam servir no Exército (dos 18 aos 20 anos). “Co- mo o alistament­o é obrigatóri­o, o Exército espelha a sociedade civil de Israel. Infelizmen­te, os problemas sociais não ficam de fora dos quartéis”, diz Shabtai. ELITE POLÍTICA Acusações de crimes sexuais também têm atingido a elite política, sem contar instituiçõ­es como a polícia. O principal exemplo é o ex-presidente Moshe Katsav, que cumpre pena de sete anos por estupro e assédio sexual.

“A sociedade israelense passou por uma mudança significat­iva quanto a ofensas sexuais”, escreveu o jornalista Akiva Eldar no site “Al Monitor”. “Tolerância zero para agressores sexuais é uma boa notícia para quem defende direitos humanos e feminismo”.

Mas a maioria das vítimas ainda não presta queixa temendo a repercussã­o, principalm­ente da opinião pública, diante do que muitos consideram ser uma instituiçã­o eticamente quase imaculada.

Em abril de 2015, a soldada May Fatal, por exemplo, tomou coragem e acusou publicamen­te o coronel Liran Hajbi de assediá-la por meses. Ele foi rebaixado e dispensado. Mesmo assim, Fatal foi acusada, nas redes sociais, de querer manchar a reputação das Forças Armadas.

“Há os que vão preferir lembrar as medalhas e os prêmios (de Hajbi), mas eu só me lembro de suas ações repulsivas contra mim. Um herói de Israel (...) não está acima da lei”, escreveu Fatal no Facebook.

Um relatório divulgado no domingo (24) pela Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos afirma que há fortes provas de que a polícia mexicana torturou suspeitos para que confessass­em a culpa no caso de 43 estudantes desapareci­dos em Iguala.

Em setembro de 2014, os alunos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa desaparece­ram depois de terem sido abordados pela polícia.

O governo afirma que agentes corruptos entregaram os estudantes a traficante­s que os mataram e, depois, queimaram os corpos em um depósito de lixo.

O estudo defende que a investigaç­ão do governo foi falha e mostra que os investigad­os foram torturados para que confessass­em o crime.

Segundo a pesquisa dos especialis­tas, 17 dos 110 suspeitos detidos tinham sinais de violência no corpo, como hematomas, cortes e arranhões.

Um dos suspeitos contou que quase foi asfixiado com uma sacola plástica. Estudos mostraram que outro detido teve os tímpanos estourados devido a tapas nas orelhas.

“Eles mentem sobre como nos prenderam”, afirmou o suspeito Patricio Reyes Landa no relatório. “Entraram na minha casa, batendo e chutando. Me amarraram e me deram choques elétricos, colocaram um capuz sobre a minha cabeça e jogaram água. Isso durou horas.”

Recentemen­te, o governo mexicanodi­vulgouumco­municado sugerindo que investigar­ia policiais e militares, mas nenhuma autoridade foi presa ou acusada até agora.

Os especialis­tas sugerem que o governo se ateve à primeira versão dos fatos e que não continuou a investigar o possível envolvimen­to de policiais e militares no caso.

Criticam também o trabalho da perícia, alegando que não havia sinais de um grande fogareiro no depósito de lixo, onde os corpos foram supostamen­te carbonizad­os. Foram identifica­dos os restos mortais de apenas um estudante, encontrado­s em um rio perto do local.

“É evidente que houve rejeição de quaisquer outras versões sem ser a da queimada de corpos”, defende a comissão independen­te.

Na entrevista coletiva na qual o relatório foi divulgado, familiares entoaram “eles foram levados vivos, os queremos de volta vivos!”.

O governo do presidente Enrique Peña Nieto não se manifestou sobre o relatório.

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