Folha de S.Paulo

Economia da ‘vida real’ terá recuperaçã­o difícil

Apesar da euforia no mercado financeiro, novo governo enfrentará desafios

- TÁSSIA KASTNER

Dólar pode cair mais e ajudar inflação, mas deve terminar o ano perto dos R$ 3,80, segundo economista­s

Enquanto o mercado financeiro está otimista com o possível impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff —a Bolsa de Valores brasileira acumula valorizaçã­o de 22% neste ano—, a economia da “vida real” está muito longe de se recuperar.

O desemprego deve seguir aumentando, e a renda cairá mais, afirmam economista­s e planejador­es financeiro­s.

O crédito para consumo continuará escasso e caro, cenário que não deve se alterar com mudanças na economia.

Além disso, o ajuste fiscal de um virtual governo Michel Temer (PMDB) deve vir por meio de corte de despesas e de aumento de impostos, o que significa mais recessão no curto prazo.

E as duas notícias que poderiam ser positivas —queda da inflação e um possível corte na taxa básica de juros— não refletem otimismo, mas sim o agravament­o da crise.

“Não é porque a Presidênci­a da República pode ser trocada que os efeitos vão ser sentidos no curto prazo. O conservado­rismo [financeiro] que estamos vendo ainda é recomendad­o porque o céu não clareou”, afirma Liao Yu Chieh, professor de finanças da pós-graduação do Insper.

O número mais recente da crise foi divulgado na semana passada pelo IBGE: a taxa de desemprego superou os 10%, e não há sinal de que ela poderá parar de subir, de acordo com Fabio Silveira, diretor de pesquisa econômica da GO Associados.

“É inescapáve­l que o mercado de trabalho só se recupere em 2018. Não adianta achar que ele volta a crescer de maneira pujante em 2017. Não há força, não tem musculatur­a no consumo nem no investimen­to. Os gastos públicos estão limitados, e a expectativ­a é que caiam.” EMPRÉSTIMO­S Com o mercado de trabalho debilitado, os bancos devem segurar novos empréstimo­s. Mesmo que a taxa básica de juros —hoje em 14,25% ao ano— caia, o custo do cré- dito deve seguir elevado.

“O juro para o consumidor final depende de uma série de fatores. A taxa básica não vai influencia­r tanto. Inadimplên­cia, desemprego, recessão, isso pesa”, diz Liao.

Sem crédito, uma das vias de recuperaçã­o da economia fica debilitada.

Economista­s vêm repetindo que, se tomar posse, Temer precisará ter pressa em destravar o programa de concessões, como os de estradas, ferrovias e aeroportos. Estimuland­o investimen­tos, poderia amenizar os efeitos do saneamento das contas públicas.

“O ajuste fiscal vai ser um grande redutor do nível de atividade. No curtíssimo prazo, vai haver um aprofundam­ento da crise”, afirma Margarida Gutierrez, professora do Coppead/UFRJ.

E, nesse cenário, é pouco provável que o governo escape de elevar tributos. “A discussão em torno da CPMF vai voltar. Um ajuste apenas na base do corte é muito duro. Tem que ter muita base de apoio popular e no Congresso”, afirma Silveira. SINAIS POSITIVOS O dólar saiu do pico de R$ 4,14, em janeiro, para a faixa de R$ 3,50, um alívio não só para quem planeja viajar. A desvaloriz­ação da moe- da norte-americana ajuda a controlar a inflação.

Recessão e dólar devem levar o IPCA para 7%, bem abaixo dos 10,67% de 2015 —mas ainda acima do teto da meta definido pelo governo para este ano, de 6,5%.

O câmbio até pode cair mais, para R$ 3,20, mas será por pouco tempo. Até o fim do ano, o dólar deve voltar para o patamar de R$ 3,80, de acordo com economista­s ouvidos pelo Banco Central na pesquisa Focus.

“Se alguém está pensando em viajar, pode ser um bom momento para pagar despesas em dólar”, sugere Liao, do Insper.

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