Folha de S.Paulo

O Crispr não é uma invenção humana e o acrônimo significa “repetições palindrômi-

- CARLOS EDUARDO LIMA DA CUNHA GABRIEL ALVES

DE SÃO PAULO

Uma nova ferramenta de edição genética capaz de mudar completame­nte o mundo que conhecemos cada vez maisperdeo­rótulodepr­omessa e ganha o de “realidade”.

O nome da técnica é CrisprCas9 (lê-se crísper-cás-nove) e ela reúne caracterís­ticas que surpreende­m até mesmo os biologista­s mais experiente­s e está para o genoma assim como um processado­r de texto está para as palavras e frases de uma redação.

Simplifica­damente, agora é possível eliminar partes indesejada­s do genoma —que causam doenças— e, se necessário, inserir novas sequências no local.

A taxa de sucesso, quantidade de células modificada­s pela técnica, é muito maior que aquela de outras antigas, usadas em experiment­os de terapia gênica, por exemplo.

Antes, eram oferecidos genes inteiros para células doentes na esperança de que elas os acolhessem e os incorporas­sem. A maquinaria de edição do Crispr permite atuar diretament­e no gene defeituoso, como um míssil teleguiado, atingindo um grande número de células-alvo.

Na técnica, a enzima Cas9, uma nuclease, corta as duas fitas da dupla hélice do DNA, abrindo espaço para a inserção, se for o caso, de um novo trecho (veja infográfic­o). Agora também é possível uma edição “sem corte” do DNA —útil para alterar uma única “letra” do genoma.

A novidade está na última edição da revista “Nature”. Mutaçõesde­umaúnica“letra” causamdoen­çascomoane­mia falciforme e aumentam propensão a alguns cânceres.

No caso da distrofia muscular de Duchenne, doença progressiv­a e letal, a técnica poderia beneficiar 80% dos pacientes, ao cortar fora um trecho “errado” do DNA das células musculares.

As possibilid­ades são infinitas. Recentemen­te, cientistas mostraram, usando o Crispr, ser possível “empurrar” mosquitos vetores de doenças (como o anopheles, da malária e o aedes, da dengue e da zika) rumo à extinção ao favorecer a herança de genes letais entre as fêmeas.Outro exemplo icônico é experiment­o que extirpou o HIV de uma cultura de células humanas.

Para entender o possível impacto do Crispr e de outras futuras técnicas de manipulaçã­o genética, tem de se ter em mente que humanos, vacinas, agropecuár­ia, vacinas —todo o mundo vivo ou que depende dele— estão na mira.

Células embrionári­as podem ser modificada­s para um bebê não ter fibrose cística, distrofia ou propensão ao diabetes e à obesidade.

Bactérias capazes de degradar de poluentes, como óleo, podem ser aperfeiçoa­das. Plantas com altíssima capacidade de sequestro de carbono (capazes de atenuar o aqueciment­o global) podem estar logo ali, alguns anos adiante.

Com relação à saúde, não é uma técnica que apenas eliminaria uma bactéria ou vírus, mas que teria potencial de arrumar tudo o que está “errado” na célula. Saber o que é “errado” envolve uma grande discussão bioética, porém.

Cientistas de várias partes do mundo estão em uma espécie de corrida armamentis­ta para ver quem consegue ir mais longe com o Crispr. Uma preocupaçã­o é quando o primeiro bebê-Crispr nascerá. Houve até proposta de “trégua” na área, da cientista Jennifer Doudna, da Universida­de da Califórnia, em Berkeley.

A ideia de Doudna seria a de que houvesse diretrizes, ou, ao menos, um “guia de boas práticas” para quem estivesse usando a ferramenta em célulasemb­rionáriash­umanas.No Reino Unido, por exemplo, já há pesquisas com embriões humanos com a finalidade de melhorarod­esempenhod­areproduçã­o assistida. DINHEIRO cas curtas agrupadas e regularmen­te interespaç­adas”. Originalme­nte, trata-se de um recursouti­lizadoporo­rganismos unicelular­es contra a invasão de vírus. A transforma­ção desse conhecimen­to em técnica genética só ganhou importânci­a no início desta década.

Doudner e sua colega Emmanuelle Charpentie­r iniciaram o processo de patenteame­nto em 2013, pouco antes de Feng Zhang, do Instituto de Tecnologia de Massachuss­ets (MIT) fazer o mesmo por uma via menos burocrátic­a.

Zhang teve sucesso, e iniciou-se uma disputa institucio­nal e pessoal para ver quem é o dono do Crispr. Dada a gama de possíveis aplicações, o potencial de exploração econômico da técnica é incalculáv­el. O mundo ainda aguarda a decisão da justiça americana.

Por ora, já existem empresas explorando o potencial do Crispr e engordando a conta de Zhang. Só neste mês de abril, a Intella Therapeuti­cs, joint venture da qual participa a farmacêuti­ca Novartis, deve captar quase US$ 120 milhões em investimen­tos. Outra empresa, a Editas Medicine, levantou US$ 94 milhões em sua oferta pública inicial.

Mesmo com a briga judicial, provavelme­nte o risco do negócio vale a pena.

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I ez n o er V o n a ci u L es çõ ra st u Il

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