Folha de S.Paulo

Anos de descaso resultaram em anúncio de limite a banda larga

- RONALDO LEMOS

NOS ANOS 1970, a China era um país economicam­ente estagnado, de matriz predominan­temente rural. A partir de 1978, introduziu as reformas que a conduziram à posição de carro-chefe da economia global.

Uma delas foi a aposta nas tecnologia­s da informação e comunicaçã­o (TICs). No excelente livro “O Desenvolvi­mento da Indústria de Tecnologia da Informação da China” (On the Developmen­t of China’s Informatio­n Technology Industry), Jiang Zemin (nomeado secretário­geral do PC em 1989) explica esse caminho. A escolha foi entender as TICs como infraestru­tura essencial. Elas não são apenas mais um setor da economia, mas elemento capaz de aprimorar todos os outros setores, da agricultur­a aos serviços.

Corte para 2016. O Brasil enfrenta gigantesca polêmica a respeito do anúncio de que boa parte dos serviços de banda larga será oferecida em modalidade limitada, com franquia fixa de dados —na sexta (22), em meio à controvérs­ia, a Anatel proibiu, por tempo indetermin­ado, o bloqueio de quem superar a franquia.

Esse anúncio é em grande parte resultado de anos de descaso com a expansão da rede no país. Estamos colhendo o que não plantamos. O Brasil abdicou dessa discussão de forma estruturad­a há alguns anos.

Isso fez com vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai ultrapassa­rem o país em número de conexões por cem habitantes. Na Colômbia, o plano “Vive Digital” é uma das bandeiras políticas mais importante­s do governo. Já por aqui, até o “Banda Lar- ga nas Escolas”, anunciado com alarde em 2010, falhou nos objetivos.

Isso mostra que as TICs não são vistas como essenciais para o desenvolvi­mento futuro do país. Para reverter isso, precisamos de um novo Plano Nacional de Banda Larga, que atue no curto, médio e longo prazo.

As tarefas são muitas. É preciso estimular a inovação na camada de infraestru­tura da rede, revendo o modelo regulatóri­o criado em 1996 e já obsoleto. Incentivar novos entrantes e maior competitiv­idade. Promover modalidade­s técnicas de conexão, do espalhamen­to espectral a drones.

Pavimentar também o caminho para otimizar a rede no “atacado”. Criar maior integração entre as infovias municipais e estaduais e com os países da região. Investir em pontos de troca de tráfego, anéis regionais de fibra óptica e cabos submarinos, além de abrir novos segmentos do espectro para a banda larga. Tudo isso barateia o custo da rede e gera mais capacidade, afastando o fantasma dos limites de franquia.

A discussão jurídica que vemos agora é importante e serve para pressionar no combate aos sintomas, que ocorrem no topo da rede, mas não enfrenta a causa estrutural. O Brasil busca imitar a China no que ela tem de pior, como a censura na internet, tal como evidenciad­o pelas propostas da CPI dos Cibercrime­s. Que tal imitar aquele país no que ele tem de melhor, como a compreensã­o, provada como verdadeira, de que conectivid­ade é essencial para o desenvolvi­mento?

A polêmica sobre a banda larga limitada é resultado de anos de descaso com a expansão da rede no Brasil

RONALDO LEMOS

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