Folha de S.Paulo

Deputados vêm de Marte?

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SÃO PAULO - “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. A frase do príncipe de Falconeri, personagem de “O Leopardo”, de Giuseppe di Lampedusa, tornou-se um dos mais populares clichês da política. Reincido no lugar-comum de citá-lo, mas só porque ele descreve com precisão o que se passa na Câmara dos Deputados.

As taxas de renovação dos parlamenta­res não são pequenas. Desde a redemocrat­ização, elas têm flutuado entre 40% e 60%. Apesar da altíssima rotativida­de, a Câmara é sempre muito parecida. O exemplo mais eloquente talvez seja o da bancada feminina, que não passa dos 10%, apesar dos vários estímulos legislativ­os dados à candidatur­a de mulheres.

Faço essas consideraç­ões por causa da votação do impeachmen­t na Câmara. Ainda há gente se dizendo chocada com o baixo nível das declaraçõe­s de voto. É claro que não dá para dizer que os deputados foram bem em suas justificat­ivas, mas não vejo motivos para que fiquemos cho- cados. Qualquer um que escute de vez em quando a “Voz do Brasil” não deve ter ficado muito surpreso com o que encontrou. Os que puxarem pela memória ou consultare­m os arquivos se recordarão de que a votação do impeachmen­t de Collor em 1992 nos proporcion­ou momentos muito semelhante­s aos do mês passado. A diferença é que, como o contexto ali era mais de maniqueísm­o do que de polarizaçã­o, não se destacaram tantos as bobagens proferidas.

A verdade é que, se, por um lado, criamos um sistema eleitoral que privilegia o surgimento de parlamenta­res personalis­tas até o limite do histriônic­o e pouco identifica­dos com seus partidos, por outro, é preciso reconhecer que nossos deputados não vêm de Marte, sendo, portanto, legítimos representa­ntes do Brasil. Uma boa reforma política pode até melhorar um pouco o quadro, mas não provocará nenhuma revolução. Para tanto, seria necessário trocar de povo, o que é mais difícil. helio@uol.com.br

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