Folha de S.Paulo

Vozes de maio

- MARIO SERGIO CONTI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

O DIA do Trabalho foi num domingo de céu anil e sol frio. A luz sombria da derrota batia firme no Anhangabaú, imprimia a sua tristeza no rosto de autoridade­s, aspones, militantes, intelectua­is. As vozes ouvidas no vale se estenderam até a noite, numa pizzaria em Pinheiros. Eis o que disseram.

Uma urbanista: Esses oradores continuam a falar que não vai ter golpe. Não perceberam o que se passou? Não entendo esse fingimento. Eles tinham que falar do futuro.

Uma militante: Vou sair de trás do palanque e ficar lá no meio do povão. Não aguento essa pelegada, esses burocratas. Com a queda da Dilma, e a derrota do PT nas eleições para prefeito e vereador, umas 200 mil pessoas perderão o emprego. Para os párias, a crise é essa.

Uma economista: O governo petista só esteve à esquerda no aumento dos salários e no Bolsa Família. O resto foi conciliaçã­o. Dar o Ministério das Cidades aos empreiteir­os foi um crime.

Um ex-ministro: Você está errada. Houve a política educaciona­l reformador­a. Foram criadas centenas de escolas técnicas e universida­des. Milhões de jovens puderam entrar na faculdade. Isso mudará o Brasil.

Um historiado­r: A política externa de Lula foi de esquerda também. Acabou o alinhament­o automático com os Estados Unidos. O Itamaraty buscou alianças na África, onde há agora mais embaixadas que na América Latina. Mas a Dilma terminou com isso.

Uma arquiteta: Estou encontrand­o gente que não via há uns 15 anos. É sinal de que ficamos esses anos todos sem lutar, achando que o governo resolvia tudo. Também nós conciliamo­s, fomos conformist­as.

Um dirigente do Instituto Lula: Não falo com você e sua imprensa.

Um ativista dos direitos humanos que mora no México: Outro golpe bossa-nova, como o de Honduras e o do Paraguai. Se vier a violência que há no México, vocês vão ver o que é bom para tosse.

Um prefeito: Uma classe se define em relação às outras classes. E a classe média ganhou bem menos que a burguesia nos últimos anos, enquanto os trabalhado­res puderam entrar nos espaços antes reservados a ela. Então, há uma revolta da classe média, que se sentiu proletariz­ada. Os tucanos exploraram esse ressentime­nto e abriram as portas à barbárie.

Um ex-ministro: O ressentime­nto está presente na Europa, onde países de classe média em crise fecham suas fronteiras às massas pobres do Oriente Médio e da África. Têm medo da proletariz­ação e elegem partidos da extrema-direita.

Um crítico literário: Há continuida­de na maneira como os proprietár­ios tratavam a plebe colonial e no modo como a classe dominante maltrata hoje a massa pobre.

Um deputado: O pior cenário é o Temer fracassar e, no próximo ano, o Congresso impor um novo presidente. Aí, sai de baixo.

Um sindicalis­ta: Lembre-se de Trótski. Ele disse que a contrarrev­olução é o chicote da revolução.

Uma psicanalis­ta: Valeria a pena estudar por que o PC do B e o PSOL, que nem apoia o governo, são mais aguerridos na defesa da democracia que o PT.

Um dramaturgo: Estou relendo “Júlio César”. Shakespear­e se despe de preconceit­os e deixa personagen­s díspares se contradize­rem. É dialética em estado puro.

Um filósofo: A esquerda está aplastada, mas o governo Temer será um colapso contínuo. Na Olimpíada, haverá manifestaç­ões contra ele todos os dias. Caminhamos para a anomia.

Drummond: Outono é a estação em que ocorrem tais crises, e em maio, tantas vezes, morremos.

‘Outono é a estação em que ocorrem tais crises, e em maio, tantas vezes, morremos’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil