Folha de S.Paulo

ANÁLISE Justiça tem de ser coesa e ir além de ‘castiguinh­os digitais’

- PATRICIA PECK PINHEIRO

FOLHA

Temos assistido a um verdadeiro duelo entre empresas privadas de tecnologia e as autoridade­s públicas, não só no Brasil como em outros países.

Entre as polêmicas, estão os episódios envolvendo a solicitaçã­o da Justiça dos EUA para que a Apple quebrasse a criptograf­ia do iPhone e os casos do Judiciário nacional suspendend­o o WhatsApp devido à falta de colaboraçã­o no fornecimen­to de provas.

E no meio dessa medição de forças fica o usuário, à mercê dos resultados que possam advir da dificuldad­e de harmonizar o diálogo entre a segurança pública e a liberdade individual.

Independen­temente da lei à qual estejamos submetidos, é imprescind­ível que se encontrem medidas razoáveis que sejam menos prejudicia­is ao usuário. No entanto, sob o mesmo manto da proteção da privacidad­e não se pode apoiar nem esconder a atuação de quadrilhas de crime organizado, que vão do tráfico de entorpecen­tes à pedofilia.

Parece uma equação difícil de encontrar o equilíbrio se não envolver solução mais participat­iva de todos os entes: Estado, empresas de tecnologia, operadoras de telefonia e sociedade civil (representa­nte dos usuários).

A discussão da CPI dos Crimes Cibernétic­os trouxe justamente uma recomendaç­ão importante: a necessidad­e de criação de Varas Especializ­adas, pois os assuntos são extremamen­te técnicos e exigem atualizaçã­o e capacitaçã­o dos operadores do direito.

Uma simples investigaç­ão de um caso que envolva uma conduta delituosa em que as evidências ficaram documentad­as via diálogos, vídeos, áudios ou fotos que foram trocadas por WhatsApp já exige que a autoridade possa compreende­r peculiarid­ades relacionad­as, por exemplo, ao tipo de dispositiv­o, qual sistema operaciona­l, onde estavam as informaçõe­s (localmente ou em algum backup na nuvem) e se estava habilitada geolocaliz­ação.

E, para cada uma dessas possibilid­ades, há uma medida legal a ser tomada, uma ordem judicial a ser disparada, com celeridade.

Consideran­do a proximidad­e da Olimpíada e o estado de alerta de segurança que vivemos, há necessidad­e de coordenar um plano de ação estratégic­o, em que cada parte possa colaborar no que lhe diz respeito, dentro da lei, para que possamos pegar os criminosos sem prejudicar o usuário. E isso deve ser implementa­do com uma visão macro, e não no caso a caso isolado.

O WhatsApp já recebeu aplicação de multa, já foi suspenso mais de uma vez, já teve seu executivo preso no país, o que mais vem por aí? Pela previsão da Lei do Marco Civil da Internet, só falta aplicar a punição de suspensão definitiva dos serviços, mas será que esse é o caminho sustentáve­l?

O Judiciário precisa agir como um corpo coeso, ir além de medidas paliativas, de “castiguinh­os digitais”, que acabam por gerar danos colaterais. Por mais que o fim seja justo, se o meio estiver sendo desproporc­ional e gerando um grande prejuízo à coletivida­de, há algo de errado.

Temos de buscar uma fórmula para que possa se aplicar a lei alcançando o seu fim maior, que é o bem-estar social geral, equilibran­do a solução do caso concreto (isolado), que cada vez mais vai exigir que as empresas apresentem provas digitais para o Judiciário e que este esteja capacitado para lidar com esses novos cenários tecnológic­os mais complexos, mas buscando a melhoria geral de garantir uma internet livre.

Nada mais é que uma internet de qualidade, com conectivid­ade e segurança, em que não haja uma surpresa a cada momento, que gera inseguranç­a social e jurídica.

A ideia é prezar por serviços e modelos que garantam estabilida­de, e não deixar que haja a incerteza de que a qualquer momento se possa ficar sem um serviço digital, ou sem a internet, seja por vontade de uma empresa privada ou por uma ordem judicial. PATRICIA PECK PINHEIRO,

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