Folha de S.Paulo

Na falta de aplicativo, celular volta às origens

Com o bloqueio de WhatsApp no país, muitas pessoas tiveram de ligar para resolver questões profission­ais e pessoais

- FELIPE MAIA

Messenger, que também pertence ao Facebook, parece ter ganhado força com impediment­o da ferramenta rival

No jardim ao lado de um shopping na avenida Paulista, em São Paulo, a vendedora Camila Lima, 22, está com o celular na orelha, e não nos dedos —na ponta deles—, como é mais comum para ela. Está tentando falar com a mãe, que mora em Ibotirama (BA), a 519 km de Salvador.

Muitas vezes esse contato acontece por WhatsApp, mas, como o app havia sido bloqueado no país cerca de duas horas antes, ela teve de apelar para a ligação —que não conseguiu completar. “Eu e o meu irmão moramos aqui em São Paulo. Ela deve estar até agora preocupada.”

Lima não usa o aplicativo só para trocar mensagens com a mãe: o horário de trabalho e metas para o dia na loja em que trabalha também são passados por ali.

Com o WhatsApp fora do ar, mais gente como a vendedora teve de voltar às origens do celular: conversar instantane­amente, bate e rebate, quase ao vivo. E não digitar ou mandar uma mensagem de voz, ver aqueles dois pauzinhos azuis se acenderem e depois esperar que o outro lado tenha a compaixão de responder.

“Hoje em dia, ninguém mais liga. No máximo manda áudio”, atestava Fernanda Alves, 19, que criticou o fato de a decisão do juiz de Lagarto (SE) ter sido divulgada tão em cima da hora. “A gente precisava de uma semana para se preparar.”

Pode parecer estranho ou antiquado, mas ligar ainda é bastante comum, mesmo em celulares inteligent­es.

Em uma pesquisa feita pelo Datafolha em junho do ano passado com 2.437 pessoas, 22% dos donos desses aparelhos indicaram que fazer telefonema­s é a atividade que realizam com mais frequência —atrás de usar as redes sociais (27%), mas à frente de mandar mensagens (18%). Entre as pessoas de 16 a 24 anos a posição se invertia, com 18% para as mensagens e 17% para as ligações. DESPEDIDA DE SOLTEIRO Mas não há como negar que alguns hábitos mudaram. Na rua, o empresário Daniel Linger, 34, tentava falar com a futura mulher, que iria passar para buscá-lo de carro, “coisa que certamente faria pelo WhatsApp”.

Que ela esteja ciente: as tratativas com amigos para a despedida de solteiro migraram para um outro aplicativo, que também é de propriedad­e de Mark Zuckerberg, o Messenger.

O app, que nasceu dentro do Facebook e ganhou independên­cia da rede social em 2014, parece ter sido muito beneficiad­o pelo bloqueio do “primo”. Diversos entrevista­dos o escolheram como alternativ­a. Com 900 milhões de usuários ativos no mundo, o Messenger se aproxima gradativam­ente do WhatsApp, que tem 1 bilhão.

Mas por que não usar o outro aplicativo sempre, então? Alguns usuários dizem que ele é mais lento e também têm menos funções —apesar de o Facebook estar incluindo ferramenta­s de terceiros na plataforma, de forma que nos EUA é possível até transferir dinheiro por ele.

“No Messenger, as mensagens de voz têm de ser mais curtas, e não dá para passar vídeos. A interface dele também é mais complicada”, afirmava o profission­al de TI Bruno Cavalcanti, 24, que mora em Dublin e está de férias em São Paulo, sem o WhatsApp. “Estamos ao deus-dará.” INTIMIDADE A coach para concursos Sara Teixeira, 31, diz que as pessoas acabam se sentindo mais próximas, íntimas, ao usar o WhatsApp, por isso a importânci­a dada a ele.

“Eu recebo mensagens até meia-noite sobre trabalho, gente perguntand­o sobre o trabalho, valores.”

Houve quem visse vantagem. O barman José Ronaldo, 24, diz que, no bar em que trabalha, é comum que as pessoas não prestem atenção à sua explicação sobre os drinques por estarem olhando smartphone.

“As pessoas se prendem ao celular”, diz ele, que recebe mensagens basicament­e de duas pessoas: o chefe e a mãe.

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Marcus Leoni/Folhapress O empresário Daniel Linger, 34, fala por telefone com a futura mulher, em São Paulo

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