MEMORIAL DA FRAUDE
Quando o escritor mexicano Jorge Volpi, 47, teve a ideia de fazer o romance “Memorial da Fraude”, o México ainda sentia o impacto da crise financeira global de 2008.
Quando o livro saiu na Espanha, era a vez deste país estar se debatendo com a recessão. Finalmente, a obra chega ao Brasil, justo quando, por aqui, também se atravessa uma séria crise econômica.
“É uma casualidade triste que a publicação em português coincida com esse momento grave que vive o Brasil. Mas, como a reflexão que o livro propõe é sobre o que causa uma crise econômica e como isso impacta na política, me parece que a discussão é atual”, diz Volpi à Folha.
O romance conta uma história que mescla realidade e ficção. Nela, um narrador, cujo nome é J.Volpi (em referência ao próprio autor), revela estar por trás de uma grande fraude. Ao mesmo tempo, investiga a vida do pai, que havia sido funcionário do Depar- tamento do Tesouro durante a Segunda Guerra Mundial.
“A busca do filho pelo pai é um tema universal e mítico, mas ganha especial contorno na literatura mexicana, por conta da obra de Juan Rulfo (1917-1986)”, diz Volpi, referindo-se a “Pedro Páramo” (1955), romance em que um filho viaja para buscar o pai num vilarejo-fantasma no interior do México.
Para compor seu livro, Volpi, que é especialista em literatura, professor em Princeton e outras universidades nos EUA, mergulhou no mundo dos bancos e dos mercados.
“Sempre gostei de escrever sobre coisas de que não sei nada no princípio. É um desafio enorme, pois me obriga a aprender e entender as coisas desde o começo”, explica.
Volpi, hoje um dos principais escritores mexicanos, ganhou
JORGE VOLPI
autor de ‘Memoral da Fraude’ projeção internacional a partir dos anos 1990, quando participou do movimento crack. Na época, um grupo de jovens autores respondia ao chamado realismo mágico latino-americano e pedia que a literatura da região se dedicasse a outros assuntos que não apenas as questões sociais do continente.
Com os colegas, Volpi passou a propor uma série de novos temas, entre eles a história europeia e a ciência. PESSOAL Algo de experiência pessoal, porém, existe em “Memorial da Fraude”, pois Volpi diz ter tirado inspiração para a trama das crises que viveu quando criança e adolescente, no México.
“A mais grave foi a dos anos 1980. Senti na pele porque minha família, então de classe média em situação confortável, passou a viver com muitas restrições”, explica.
Diferentemente de outros livros e filmes que retratam a crise de 2008, porém, Volpi preferiu ilustrar não as consequências, e sim as origens.
“Me interessava investigar quem são os causadores tradicionais e invisíveis dessas situações que levam milhões à pobreza, que são os fraudadores, os especuladores, os de sempre”, resume.
Entre as consequências políticas
“
Me interessava investigar quem são os causadores tradicionais e invisíveis dessas situações que levam milhões à pobreza, que são especuladores
mais visíveis hoje, Volpi identifica a atual confusão na Espanha —que, após quatro meses de uma eleição, teve de convocar uma outra porque os principais partidos não chegaram a um acordo, requisitado pela lei, sobre a formação do novo governo.
“A crise econômica levou a uma crise de representatividade. Os espanhóis deixaram de acreditar nos partidos tradicionais, e o quadro se agravou a esse ponto”, resume.
Crise de representatividade que também aponta no México, ao comentar fato ocorrido recentemente. Um grupo de peritos e especialistas independentes lançou um informe rebatendo várias afirmações e teses do governo mexicano com relação ao ocorrido com os 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, em 2014.
“O caso desses meninos é um ponto de inflexão em nossa história recente. Apesar de a guerra ao narcotráfico já ter causado tantas vítimas (os números oficiais registram mais de 80 mil pessoas), a desaparição deles marcou o fim da crença dos mexicanos em sua Justiça e seus governantes.” AUTOR Jorge Volpi EDITORA Alfaguara TRADUÇÃO Maria Alzira Brum QUANTO R$ 64,90 (432 págs.)
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