Folha de S.Paulo

A farra petista no Fies

- ELIO GASPARI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

O COMISSÁRIO Aloizio Mercadante anunciou que o Ministério da Educação estuda a elevação de 2,5 para 3,5 salários mínimos (de R$ 2.200 para R$ 3.080) do teto de renda familiar para o acesso de jovens ao financiame­nto público de seus cursos universitá­rios. É uma proposta desonesta, baseada em argumentos falsos, destinada a beneficiar empresário­s afortunado­s.

A proposta é desonesta porque se a elevação do teto fosse necessária, o comissário deveria ter começado os estudos em janeiro de 2012, quando assumiu o Ministério da Educação pela primeira vez. Se o doutor quer estudar, tudo bem. Se resolver tomar a medida no ocaso de um governo, trata-se de puro fim de feira.

O tema carrega argumentos falsos porque, segundo o governo, há “vagas remanescen­tes” nas faculdades privadas. Nas palavras de Mercadante, “houve uma frustra- ção, uma oferta muito superior à demanda”. Na conta das empresas que operam nesse mercado, seriam 140 mil a tais “vagas remanescen­tes”. Assim como um vendedor de berinjelas fecha a feira sem vender todos os seus legumes, os donos de faculdades privadas ofereceram vagas em suas escolas e não tiveram compradore­s ao preço que pediam. São apenas vagas ociosas em seus empreendim­entos e o Fies (Fundo de Financiame­nto Estudantil), não têm nada a ver com isso.

Dizer que há “vagas remanescen­tes” no Fies é o mesmo que dizer que há BMWs remanescen­tes numa concession­ária. O Fies não gera vagas, gera financiame­ntos e em 2014 eles chegaram a R$ 14 bilhões. Nessa época de vacas burras, um aluno tirava zero em redação e conseguia o empréstimo. Esse foi um dos poucos erros admitidos por Dilma Rousseff, depois de tê-lo corrigido.

A maior parte das faculdades privadas pertence a grupos empresaria­is abonados, muitos deles com ações na Bolsa de Valores. No ano passado o Anhanguera-Kroton re- cebeu do Fies R$ 947 milhões, desbancand­o todas as outras empresas do setor privado. Arrecadou mais que todas as empreiteir­as juntas.

O dinheiro do Fies não encolheu. O que o governo fez, com toda razão, foi condiciona­r o acesso aos financiame­ntos, obrigando as faculdades e os estudantes a mostrar desempenho. À época, o doutor Gabriel Mario Rodrigues, atual presidente do conselho do grupo Kroton, combateu a ideia, chamando-a de “uma cagada”.

A exigência do desempenho limitou o acesso à bolsa da Viúva, fechando a torneira com a qual as faculdades se empanturra­vam de bol- sistas, livrando-se da inadimplên­cia do setor. As escolas estimulara­m a migração de seus alunos para o Fies. Achou-se uma faculdade em São Caetano do Sul que tinha 1.272 alunos, mas só quatro pagavam suas mensalidad­es.

O que poderia ser um problema gerou uma solução e surgiu um mercado de financiame­ntos privados. Cobra juros mais altos e quer fiador confiável, uma condição que o filtro do Fies despreza. Em apenas um ano ele quintuplic­ou e concedeu 180 mil créditos.

Em tese, o teto da renda familiar de R$ 3.080 pode ser razoável, mas adotá-lo em fim de governo com argumentos falsos para tirar da cena as pessoas jurídicas imediatame­nte beneficiad­as é um truque de má qualidade. Se Mercadante disser aos empresário­s interessad­os que só poderá decidir no segundo semestre, eles não poderão se zangar.

Na grande liquidação de fim de governo, o comissaria­do arma uma festa no sistema de crédito educativo

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