Folha de S.Paulo

Facebook vê ameaça para negócio no futuro

- FELIPE MAIA JULIO WIZIACK

DE SÃO PAULO

O WhatsApp voltou ao ar na tarde desta terça-feira (3) no Brasil, após 25 horas fora do ar. Um desembarga­dor do Tribunal Regional de Sergipe determinou o fim do bloqueio ao aplicativo em razão, entre outros argumentos, do “caos social” gerado no país pela falta da ferramenta.

“A suspensão dos serviços do WhatsApp já dura 24 horas e certo é também que gerou caos social em todo o território, com dificuldad­e de desenvolvi­mento de atividades laborativa­s, lazer, família etc.”, escreveu Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima em sua decisão.

No texto, Lima tende mais à argumentaç­ão do WhatsApp, que diz não conseguir, tecnicamen­te, fornecer os dados pedidos pelo juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (Sergipe).

Como o app não divulgou informaçõe­s sobre conversas entre supostos membros de uma quadrilha de tráfico de drogas da cidade, Montalvão determinou o bloqueio da ferramenta por 72 horas. A atuação do juiz no caso agora será investigad­a pela Corregedor­ia Nacional de Justiça.

“O fato é que não há condições de afirmar, pelo menos por enquanto, que as informaçõe­s poderiam ser fornecidas pelo WhatsApp ou

RICARDO MÚCIO LIMA

desembarga­dor que liberou o app que estas podem ser desencript­adas”, diz Lima.

A decisão de Lima também traz à tona também alguns detalhes sobre o caso que ainda não estavam muito claros, porque o processo corre em segredo de Justiça.

Não se tinha certeza, por exemplo, sobre os pedidos exatos de Montalvão. Ele quer acesso “irrestrito” a conversas de texto, fotos, vídeos, conversas de voz e agenda de contatos de 36 usuários do WhatsApp. Fundamenta-se em artigos do Marco Civil da Internet que determinam que os prestadore­s de serviços guardem dados sobre os usuários e os encaminhem à Justiça em caso de crimes.

Para o advogado Francisco Carvalho de Brito Cruz, do centro de pesquisas InternetLa­b, a legislação determina que as empresas guardem os dados de acesso, e não o conteúdo publicado por usuários.

Na decisão, Lima sugere que o Supremo Tribunal Federal arbitre sobre o tema, normatizan­do os serviços das redes sociais no país. Para isso, o STF teria de ser provocado.

Nesta terça, antes da liberação do WhatsApp, o deputado Raul Jungmann (PPSPE) entrou com uma ação no tribunal em nome do partido pedindo a volta do aplicativo —a suspensão, segundo ele, viola o direito constituci­onal de comunicaçã­o. BATE-REBATE Durante a madrugada desta terça (3), o WhatsApp foi duramente criticado por um outro desembarga­dor, plantonist­a, que negou um primeiro recurso da empresa.

Cezário Siqueira Neto disse que o aplicativo “minimiza a importânci­a da investigaç­ão criminal”, “escamotean­do a gravidade do delito supostamen­te praticado, sob a pecha de garantir o direito à intimidade dos usuários”. Ele chegou a indicar uma lista de apps alternativ­os.

“A ideia de que todos os brasileiro­s possam ter seu direito à liberdade de comunicaçã­o negado dessa forma é muito assustador­a em uma democracia”, escreveu em um post Mark Zuckerberg, o presidente-executivo do Facebook, que comprou o aplicativo em 2014.

Representa­ntes do Facebook, dono do WhatsApp, desembarca­ram em peso em Brasília na segunda (2) para convencer deputados no Congresso a barrar um projeto que quer permitir o bloqueio de aplicativo­s que descumpram decisões judiciais.

O projeto de lei será apresentad­o caso o relatório final da CPI dos Crimes Cibernétic­os seja aprovado sem mudanças. Depois de muita pressão, a votação foi suspensa nesta terça-feira (3).

Adquirido pelo Facebook, em fevereiro de 2014, o WhatsApp não dá lucro e tampouco atrai publicidad­e. Suspensões temporária­s hoje não chegam a ameaçar o negócio.

Contudo, existe uma preocupaçã­o de que o “ambiente hostil” criado pela Justiça e pela CPI comprometa­m o negócio no longo prazo.

Quando decidiu desembolsa­r em 2014 cerca de US$ 22 bilhões pelo WhatsApp, Mark Zuckerger, dono do Facebook, afirmou que priorizari­a o “cresciment­o, em vez da monetizaçã­o” do serviço.

O objetivo era transformá­lo em uma ferramenta de “primeira necessidad­e”, a maior plataforma de comunicaçã­o global do mundo. Desde a aquisição, o serviço mais que dobrou em usuários e hoje conta com quase 1 bilhão.

A Folha apurou que os próximos passos preveem a integração do WhatsApp com canais de comunicaçã­o de empresas, como bancos e seguradora­s, e o ingresso na publicidad­e —o que faria a receita explodir gerando lucro.

Para a empresa, o poten- cial é enorme. Mais de 70% dos usuários ficam conectados diariament­e. Seria uma vitrine em tempo integral.

Hoje, o WhatsApp já garantiu a sensação de “necessidad­e”. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), por exemplo, foi ao Supremo Tribunal Federal pedir o desbloquei­o por considerar violação ao “direito da livre comunicaçã­o”.

Na CPI, muitos deputados também passaram a defender o WhatsApp. “Estão banalizand­o o bloqueio de aplicativo­s”, disse o deputado João Arruda (PMDB-PR).

Já Esperidião Amin (PPSC), relator da CPI, considera que o Marco Civil da Internet permite o bloqueio. “Não somos nós que estamos permitindo o bloqueio”, disse. MACHADO DA COSTA, Alguém deve ter tido acesso ao celular do usuário em questão: ele pode ter sido apreendido em uma operação policial e ter uma senha de desbloquei­o de tela fácil; ou alguém com acesso à conversa a divulgou

O que diz o Marco Civil da Internet?

A legislação prevê a suspensão do serviço quando o aplicativo descuide do sigilo de dados de seus usuários, mas magistrado­s têm entendido o texto de forma mais ampla e pedido o bloqueio quando o aplicativo mostra não guardar esses dados ou não quer repassálos a investigaç­ões

A Justiça, ao decretar a interrupçã­o do WhatsApp, o está fazendo como punição para garantir o bem comum. Este mesmo bem comum deve ser resguardad­o com o desembaraç­o da web

Por que a Justiça não determina uma multa?

Inicialmen­te o juiz determinou multa, de R$ 50 mil, caso o app não liberasse os dados; como a empresa não liberou as informaçõe­s, determinou a prisão do vicepresid­ente do Facebook e agora o bloqueio ao app

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Marcus Leoni - 2.mai.2016 /Folhapress Pessoa usa celular em SP; WhatsApp ficou fora do ar no país por ordem da Justiça de SE

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