Folha de S.Paulo

A mãe romântica

- JAIRO MARQUES COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Guilherme Wisnik; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Pasquale Cipro Neto; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

ELA VEIO para o quarto toda animada com belas taças e um vinho português nota 7,5, mas perfeito para essas noites friinhas. Como de costume, serviu a mim o primeiro gole com olhar de serpente, deitouse na cama, acomodou a garrafa na mesa de cabeceira e, antes de um beijo, Elis mete a mão em meu requintado copo puxando o conteúdo para si e soltando seus típicos: “Dá, dá... qué, qué... tetê”.

A mulher gargalha e de pronto se levanta. “Vou buscar um para ela”, diz. Não demora, volta com uma mamadeira recheada com suco de laranja vitaminado com beterraba. Delícia cor de imitação de vinho, que a bebê não quis além de dois ou três goles. O legal era mesmo tentar pegar aquilo que papai e mamãe queriam apreciar com delicadeza.

A menina, que ensaiava o soninho, despertou de vez e o filme meloso, parte de nosso projeto de noi- te, deu espaço para o “Show da Luna”, em um episódio a respeito de como se formam os icebergs. Resultado: o casal bebericand­o elixir de pré-inverno ao som de “ice, ice, ice... berg, berg, berg” enquanto a pequena se requebrava feliz da vida em cima do que seria o ninho de felicidade a dois naquela noite.

Outro dia minha amada quis criar o “climinha” com um jantar divino. Fez um risoto de polvo, um de meus pratos favoritos, comprou um prosecco e fez as unhas com um tom de vermelho. Ajeitamos Elis no berço e à base de muito boi da cara preta, ela entregou-se aos sonhos em um horário digno, familiar.

“Vamos comer rapidinho antes que dê chabu, né?”, recomendei sem o menor glamour. Entre um “ai que gostoso”, “hummmm, que maravilha”, expressões absolutame­nte a respeito da comida, pois ainda não tínhamos vencido essa fase, uma imagem na babá eletrônica cortou o apetite.

Elis não só havia acordado como sentado no berço, com planos de curtíssimo prazo de abrir o bocão e despertar para fazer companhia à madrugada. Minha amada sai em disparada para tentar conter o derramamen­to de fúria de bebê.

Após muito “shiiiiiiii­ii”, barulho que, juro por nossa senhora da bicicletin­ha, acalma menino, ela voltou. O risoto já estava mais atadinho e sem aquela temperatur­a ideal, mas nada que abalasse nossa fome. O restante dos planos, uma certa preguiça o levou. Temos a eternidade, afinal!

No domingo próximo, minha mulher vai curtir seu primeiro Dia das Mães no papel de quem ganha o presente e também o embala. Além de todas as atribuiçõe­s inerentes à fa- se, ela ainda se impõe a maravilha de manter-se romântica e tornar-se uma mãe romântica.

Para que o papai brinque de cavalinho, é ela quem equilibra a biscoita em minha cacunda enquanto toco a cadeira. Incentiva a moleca a me chutar as costelas quando ainda durmo, pela manhã, só para rirmos os três e achar bom. Sente um certo orgulho quando a menina diz “papa”, toda escancarad­a em sorrisos para mim.

É romântica até no intuito de fazer Elis entender o mais breve possível que papai pode fazer tudo igual, mas de forma diferente. Coisa de mãe. É romântica ao planejar permanente­mente situações infalíveis para termos momentos de nós dois que, por enquanto, estão acabando a três. Coisa de mãe, coisa de mãe romântica.

No domingo, minha mulher vai curtir seu primeiro Dia das Mães no papel de quem ganha e embala o presente

jairo.marques@grupofolha.com.br

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