Folha de S.Paulo

Relator de ação no Senado pede o afastament­o da presidente

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Antonio Anastasia (PSDBMG), relator do pedido de impeachmen­t de Dilma Rousseff em comissão do Senado, apresentou texto favorável à abertura do processo contra a presidente.

Para ele, há “indícios suficiente­s” para que a petista seja julgada por crime de responsabi­lidade.

NÃO ESTAMOS tratando de “tecnicismo­s”, afirmou o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), ao apresentar seu relatório na comissão especial que analisa o impeachmen­t de Dilma Rousseff.

Que o assunto dos créditos suplementa­res e das pedaladas fiscais é espinhoso, ninguém duvida. Por horas a fio, Anastasia explicou em detalhes as possíveis ilegalidad­es cometidas por Dilma Rousseff na gestão das contas públicas em 2015.

Atentar contra o orçamento, lembrou, foi sempre motivo de impeachmen­t em todas as Constituiç­ões brasileira­s —com exceção da carta ditatorial de Getúlio Vargas em 1937.

Com a experiênci­a de muitas crises inflacioná­rias, prosseguiu o relator, a legislação brasileira passou a dedicar especial atenção ao perigo de descontrol­e nas contas do governo. A estabilida­de da moeda é um bem público, a ser protegido legalmente quando autoridade­s agem de modo a atacá-la.

Várias leis diferentes —ademais da Constituiç­ão—cuidam de regular os gastos do Executivo. Existe, como se sabe, a Lei do Orçamento Anual, LOA, votada pelo Congresso, prevendo despesas ao longo do ano. Existe também a LDO, Lei de Diretrizes Orçamentár­ias, que estabelece metas de superavit nas contas do governo. E há a LRF, Lei de Responsabi­lidade Fiscal, que proíbe um governante de gastar além de suas possibilid­ades.

É nesse contexto que surgem os famosos “decretos não autorizado­s” que Dilma emitiu em 2015, e que seriam um dos principais motivos para seu impeachmen­t. Com pressa, mas também com paciência, Anastasia foi expondo como funciona, em linhas gerais, o mecanismo dos gastos de governo.

Ficamos sabendo, assim, que há três tipos de “despesas adicionais” que podem ser feitas pelo Executivo, mesmo depois de aprovada a lei de orçamento.

“Créditos extraordin­ários” podem ser abertos em casos de tragédia ou de imprevisto, sem autorizaçã­o do Congresso. Esta é necessária nos “créditos especiais”, que contemplam pontos não contemplad­os pelo orçamento. E há os “créditos suplementa­res”, que aumentam gastos em pontos que já tinham sido aprovados pelo Legislativ­o.

Nesse caso dos créditos suplementa­res, é até possível que o Congresso, quando aprovou a Lei Orçamentár­ia, dê ao Executivo uma autorizaçã­o prévia para abri-los, conferindo alguma flexibilid­ade na gestão desses gastos. Essa permissão existiu em 2015.

Claro: nunca se tem certeza absoluta, na hora de elaborar o Orçamento, sobre quanto vai se arrecadar ou gastar ao longo do ano. Essa é a base, aliás, dos argumentos do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa: só no final do ano a presidente poderia saber se estava estourando as metas de controle do deficit; decretou gastos suplementa­res de boa fé, autorizada pela lei orçamentár­ia.

Não, argumentou Anastasia. O governo federal já fazia e refazia revisões quanto às suas disponibil­idades de recursos. Começou prevendo um superavit de R$ 114 bilhões em 2015. Meses depois, reduziu a meta para R$ 55 bilhões. Em agosto, fez nova lei mudando a meta para R$ 5,8 bilhões. Em outubro, a meta afundou num deficit de R$ 51,8 bilhões.

Uma queda livre, portanto. Os seis créditos suplementa­res mencionado­s no pedido de impeachmen­t foram editados em julho e agosto — quando já se percebia que o governo não tinha folga para gastar. E o Congresso só autorizava esses créditos se não viessem a compromete­r as metas do deficit.

Anastasia examinou os decretos um a um, avaliando se poderiam ser “neutros”, isto é, sem efeito de aumentar o deficit público. Conforme a interpreta­ção, a maior parte deles não escapa de ter efeitos negativos. Um deles aumentou o deficit em, hum, R$ 7 milhões. Outro, mais robusto, terá trazido um rombo de R$ 251 milhões, ou R$ 493 milhões numa interpreta­ção mais rigorosa.

O assunto é técnico mesmo, como se vê. Feitas todas as contas, os tais decretos determinar­am um buraco de R$ 977,8 milhões, conforme Anastasia.

Certamente, num quadro em que o déficit de 2015 chegou a um número 50 vezes maior, não foi essa ilegalidad­e no comportame­nto de Dilma a causa da desgraça geral.

Mas a ilegalidad­e existiu, afirma Anastasia; o processo seguirá seu curso.

Não foi Dilma a causa da desgraça, mas houve ilicitude, diz Anastasia; o processo seguirá seu curso

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