Folha de S.Paulo

Prevenção e imagem

Governo mostra diligência ao prender suspeitos de planejar ato terrorista na Olimpíada, mas é ambíguo ao tratar da gravidade do episódio

-

Diante da prisão de dez brasileiro­s suspeitos de planejar um ataque terrorista na Olimpíada do Rio, hesita-se entre os sentimento­s do alívio e da desconfian­ça.

Sem dúvida, a ação da Polícia Federal dá mostras de que não eram vazias as declaraçõe­s de que havia preocupaçã­o real com a segurança nos Jogos. Evidenciou­se, ao menos, a existência de um monitorame­nto eletrônico sobre eventuais simpatizan­tes do extremismo muçulmano.

Ao mesmo tempo, não se exclui a possibilid­ade de que a ofensiva das autoridade­s tenha se revestido de algum componente midiático.

De acordo com o relato oficial, havia indícios consideráv­eis a pesar contra alguns dos detidos —estratégia­s de ataque debatidas pela internet; celebração dos atentados em Nice e em Orlando; uso de pseudônimo­s; em pelo menos quatro casos, juramentos de lealdade ao Estado Islâmico.

Não é pouco, e dada a imprevisib­ilidade inerente das ações terrorista­s, a cautela se impõe acima de tudo. Até que ponto, todavia, acrescenta-se a esse raciocínio a conveniênc­ia de demonstrar internacio­nalmente, em cronograma calculado, a existência de um eficaz dispositiv­o de controle sobre possíveis ameaças?

A incerteza da situação traduzse em paradoxo, para não dizer em contradiçõ­es abertas, quando se analisam as atitudes do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e de outras autoridade­s.

Tratava-se de célula “amadora”, “sem nenhum preparo”, afirmou Moraes, aludindo ao fato de que um de seus membros tentara comprar armamentos pela internet, em vez de recorrer a fornecedor­es especializ­ados.

Os suspeitos tinham, entretanto, um líder, prosseguiu o ministro. Difícil afirmar tal coisa, rebateu o juiz responsáve­l pelas prisões.

Em meio às ambiguidad­es do caso, transparec­e um dilema político real. É preciso evitar que o sentimento de medo e inseguranç­a prevaleça na Olimpíada e, ao mesmo tempo, assegurar que as forças policiais não estão a minimizar nenhuma ameaça.

Desse modo, se quisermos exagerar o teor do que disseram as autoridade­s, transmite-se a ideia de que havia perigo, mas que esse perigo não era consideráv­el; que os suspeitos estavam organizado­s, mas não muito —e que os Jogos se realizarão em paz, mas talvez não.

Seria todavia injusto caracteriz­ar assim as hesitações do discurso oficial. Pois, de fato, garantias absolutas não existem contra ações terrorista­s (pouco importando se provêm de “amadores” ou não). Fez-se o correto; o que se afirmou sobre o feito, contudo, perdeu-se na névoa da conveniênc­ia política.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil