Folha de S.Paulo

A reboque

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Era inevitável. Depois de avalizar, no mês passado, reajustes salariais para servidores dos três Poderes, o governo Michel Temer (PMDB) se viu forçado a contemplar uma nova leva de corporaçõe­s do funcionali­smo.

Desta vez, projetos a serem examinados pelo Congresso concederão aumentos escalonado­s até 2019 para uma dezena de categorias do Executivo, incluindo carreiras de elite como as dos policiais federais e auditores da Receita —estes deflagrara­m na semana passada uma greve capaz de deprimir ainda mais a arrecadaçã­o de impostos.

Há muito pouco de planejamen­to nessas decisões. Assim o demonstrou, de maneira constrange­dora, o erro no cômputo do impacto orçamentár­io das benesses de junho, primeiro estimado em R$ 52,9 bilhões e depois elevado a R$ 67,7 bilhões em três anos.

A respeito dos novos reajustes, divulgou-se apenas a despesa adicional prevista para 2016, na casa dos R$ 700 milhões. A maior parcela da conta, portanto, permanece desconheci­da.

Argumenta o governo que a medida compensa perdas salariais passadas e já havia sido negociada com os servidores na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), hoje afastada. Temer defendeu o endosso aos acordos como maneira de evitar uma onda de paralisaçõ­es politicame­nte desastrosa.

Por pragmático que seja, o cálculo do interino significa privilegia­r, em meio à aguda recessão, um segmento que conta com estabilida­de no emprego e renda muito acima dos padrões nacionais —a despesa por funcionári­o civil no Executivo é de R$ 8.300 mensais, ao passo que o rendimento médio do trabalho no país é de R$ 1.900.

Para que se leve a cabo a proposta de limitar a alta do gasto federal nos próximos anos à taxa de inflação, a passividad­e na gestão dos recursos humanos terá de dar lugar a um enfrentame­nto mais corajoso das demandas salariais.

A folha de pagamentos da União consumirá R$ 255 bilhões neste ano, ou 22% dos dispêndios não financeiro­s —e a cifra cresce vegetativa­mente devido a promoções automática­s por tempo de serviço. Logo, futuras correções e contrataçõ­es terão de passar por análise rigorosa, caso a caso.

A tarefa envolve diagnostic­ar carências da máquina administra­tiva, estabelece­r prioridade­s, cobrar desempenho e premiar o mérito. Enfim, nada mais que uma política de recursos humanos, esquecida ao longo dos anos em que o governo caminhou a reboque do poder do corporativ­ismo.

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