Folha de S.Paulo

Fala, Cunha

- NATUZA NERY é editora do Painel

Silêncio: Estado de quem se cala ou se abstém de falar. Privação, voluntária ou não, de falar, de publicar, de escrever, de pronunciar qualquer palavra ou som, de manifestar os próprios pensamento­s.

O dicionário Houaiss ainda fornece outras definições. Sigilo, mistério, segredo.

São significad­os até aqui caros a Eduardo Cunha.

Mas até quando? O que ganha o ex-presidente da Câmara mantendo-se calado?

Se perder seu mandato em agosto, fica com uma granada na mão. Restará lançar o artefato longe — no colo de outros? — para não ser detonado. Eduardo Cunha sabe muito. Em seus 17 meses de domínio (e até mesmo antes de se tornar o mais poderoso presidente da Câmara da história recente), esteve no centro de todas as decisões da Casa. Negociava com banqueiros, industriai­s, gente graúda do PIB. Pautava tudo que era matéria tributária e distribuía favores a parlamenta­res. Mandava no PMDB da Câmara, intermedia­va financiame­nto de campanha para partidos e aliados.

Segundo o jornal “O Globo”, chegou a promover encontros de Michel Temer com o empreiteir­o Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez.

Poderia esclarecer o que motivou a reunião e sobre o que se discutiu ali — até para que não paire dúvida sobre a conduta de ninguém.

Ajudaria — para dizer o mínimo — a depurar costumes e práticas de um Congresso há muito tempo disfuncion­al.

Nem mesmo a Lava Jato, até outro dia com pouco ou nenhum entusiasmo em ouvi-lo, já se dá ao luxo de renegá-lo. Desde que se curve, claro.

“Mas tem de entregar quem está acima ou ao lado dele, jamais quem está abaixo. Ou é isso, ou nada feito”, avisa um líder da operação sob condição de anonimato.

Esse mesmo general da investigaç­ão assegura que, até hoje, porém, não houve “piscadela nem movimento de sobrancelh­a nesse sentido” por parte do investigad­o. E não há um dia sequer em que o expresiden­te da Câmara não negue qualquer intenção de colaborar. Quando alguém pergunta, rebate, impaciente: “Não se torna delator aquele que crime não cometeu”.

Para a Procurador­ia-Geral da República, quanto mais próximo do topo da pirâmide, mais difícil fica aceitá-lo como acusador. Mais caro, portanto, ele terá de pagar. E Cunha estaria “quase no vértice”.

Mas ele é um professor emérito em pragmatism­o — todos viram quantas vezes negou que renunciari­a à presidênci­a da Câmara. Mudou de ideia. Tudo sempre depende das circunstân­cias, dos interesses e do estrago potencial da granada que tem hoje nas mãos.

Abrir o verbo é também uma forma de se redimir do que a Lava Jato lhe imputa.

Talvez já esteja chegando a hora de começar a piscar para alguém, quebrar o silêncio.

Fala, Eduardo Cunha.

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