Folha de S.Paulo

A última querela

-

RIO DE JANEIRO - Há tempos, neste espaço, louvei os poetas Ferreira Gullar e Augusto de Campos e lamentei que, ambos aos 85 anos e com tantos serviços prestados à cultura, tivessem brigado e não se falassem há mais de 60. A desavença começou num almoço em 1955, na Spaghettil­ândia, um restaurant­e da Cinelândia, aqui no Rio, em que, entre nhoques e lasanhas, os dois discordara­m sobre Oswald e Mário de Andrade — Augusto, segundo Gullar, então preferindo Mário a Oswald, e Augusto negando furiosamen­te esta versão.

Na coluna, propus que eles se reconcilia­ssem, nem que fosse para logo recomeçar a briga. Não foi possível — os dois voltaram a brigar pela

Folha antes de fazer as pazes e, agora, elas estão fora de questão. Esta última querela constou de dois artigos para cada lado e, infelizmen­te, foi encerrada pelo jornal quando os litigantes começavam a partir para as acusações mais cabeludas.

Pelo visto, perdemos o gosto pelas querelas literárias, de que o Brasil já foi pródigo. A de 1856, por exemplo, entre José de Alencar e Gonçalves de Magalhães, em torno do poema deste, “A Confederaç­ão dos Tamoios”, foi tão braba que até o imperador dom Pedro 2º viu-se obrigado a intervir, a favor de Magalhães.

Em 1902, Rui Barbosa brigou com o gramático Carneiro Ribeiro por causa de próclises, ênclises e mesóclises — ao fim das réplicas e tréplicas, ninguém, nem eles, entendia mais nada. Em 1919, deu-se o violento sururu entre os romancista­s Lima Barreto (contra o futebol, que ele achava elitista) e Coelho Neto (decididame­nte a favor). E os próprios Mário e Oswald de Andrade levaram os anos 30 e 40 dizendo as piores verdades um sobre o outro. Grandes tempos.

Se não há volta para Gullar e Augusto, sugiro à Spaghettil­ândia, ainda ativa, que afixe uma placa na parede: “Aqui começou uma bela e profícua querela literária”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil