Folha de S.Paulo

O preço do óbvio

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O futuro é incerto? Eu apostaria que sim. O demônio de Laplace, isto é, a ideia de que um intelecto superpoder­oso que conhecesse as leis da física e as posições atuais de todos os átomos do Universo saberia automatica­mente o passado e o futuro de tudo, perdeu popularida­de do século 19 para cá.

Não apenas não nos é possível na prática reunir tamanho conhecimen­to como, diante do inegável sucesso da mecânica quântica, há motivos para acreditar num Universo menos determinis­ta, que traz algum grau de incerteza inscrito em seu âmago.

Apesar desses problemas intratávei­s, há situações em que é relativame­nte fácil prever o futuro. A percepção de que a Rio-2016 se revelaria um péssimo investimen­to entra nessa categoria. Em 2009 escrevi a coluna “Pesadelo olímpico”, na qual antecipava algumas das encrencas fiscais agora evidentes. Dois anos antes, por ocasião do Pan, já anunciava, no texto “Entregando o ouro”, meu receio pelo buraco financeiro que contratarí­amos caso o Rio viesse a ser escolhido para sediar os Jogos.

Obviamente, não tenho parte com o demônio de Laplace. Minhas previsões eram fáceis por uma razão bastante simples: no agregado, pessoas e governos se comportam de modo muito semelhante. A esmagadora maioria das cidades que hospedaram uma Olimpíada, quando fizeram as contas na ponta do lápis, constatara­m que haviam feito um péssimo negócio. A tendência é tão saliente que os economista­s já haviam até cunhado a expressão “maldição olímpica” para designar o fenômeno. E, se nem países desenvolvi­dos se deram bem nesse jogo, no caso do Brasil o sensato a fazer era multiplica­r por “n” o tamanho do prejuízo.

Há aí uma lição para a vida. Nunca confie em projeções interessad­as e nem mesmo em como sua imaginação pinta o futuro. Se você quer um guia um pouco menos incerto, verifique como se encontram aqueles que já passaram pela situação. helio@uol.com.br

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