Folha de S.Paulo

O barato que sai caro

- MÁRIO SCHEFFER

Farinha pouca, meu pirão primeiro. Se há recessão, não recorra ao SUS (Sistema Único de Saúde), compre um plano de saúde barato e de cobertura reduzida. Se planos populares não possuem fundamento técnico nem legal, ora, mudem-se as leis e a Constituiç­ão do país.

É o que prega o ministro da Saúde, Ricardo Barros, muito mais no papel de conselheir­o para investimen­tos empresaria­is.

O jogo é bruto. Em consulta ao Tribunal Superior Eleitoral, descobre-se que planos de saúde investiram, em 2014, mais de R$ 54 milhões em campanhas para a Presidênci­a da República e na eleição de 34 parlamenta­res. Entre os beneficiad­os estão o próprio ministro da Saúde e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autor de proposta de emenda constituci­onal que visa obrigar empregador­es a contratar planos coletivos.

Na mira da Operação Lava Jato, conforme delações premiadas, planos de saúde podem estar envolvidos com propinas e indicações para cargos na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r).

Essa história de plano popular não começou agora. É retomada sempre que governos deixam de financiar adequadame­nte a saúde, assumindo apenas um SUS pobre para pobres.

Empresário­s do setor nunca engoliram a determinaç­ão legal de que planos de saúde devem tratar todas as doenças e oferecer um rol mínimo de procedimen­tos médicos. Em 2001, emplacaram medida provisória, depois revogada, que instituía planos “subsegment­ados”. Em 2013, quase venderam ao governo a ideia de planos baratos subsidiado­s com dinheiro público.

A quebra de mais uma grande Unimed, a anunciada venda da Qualicorp e as evidências de que a Amil revelou-se péssimo negócio para o capital estrangeir­o expõem efeitos da crise econômica ou da má gestão. Também enterram a credibilid­ade de qualquer proposta que veja nesse mercado a salvação para os males do sistema de saúde brasileiro.

Neste momento de cortes drásticos de recursos e de redução de leitos de internação no SUS, os planos populares, que não cobrem atendiment­os de alto custo, aliviariam em que a rede pública? Em consultas e exames simples? Nem aí, com certeza, pois o baixo preço de mensalidad­es leva à diminuição dos valores de honorários médicos e à fuga de prestadore­s de serviços.

Como 80% do mercado é formado por planos coletivos, pressupões­e que empregador­es passariam a fornecer aos empregados um benefício de pior qualidade.

A população reconhece o engodo dos planos segmentado­s. O ambulatori­al, sem direito a internação, já previsto em lei, representa só 4% do mercado. Planos de baixo preço, com poucos médicos e serviços, são recordista­s de ações judiciais por restrições de cobertura e reajustes abusivos.

O plano popular é um barato que sai caro. Por isso, não existe em nenhum país do mundo que adote sistema universal ou mecanismos coletivos para proteger a saúde dos cidadãos. Simplesmen­te porque saúde é um direito humano, as necessidad­es não são previsívei­s e o risco de adoeciment­o não pode ser customizad­o em um plano promociona­l.

O ministro, ainda interino, tem pouco tempo para se promover a definitivo, mas as gerações brasileira­s vislumbram horizontes mais largos, com perspectiv­as de vida e saúde mais solidárias e dignas.

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