Folha de S.Paulo

El Salvador anula anistia sobre guerra civil

Decisão permite a país centro-americano rever crimes do regime militar, como morte de arcebispo, e da guerrilha

- SYLVIA COLOMBO

Políticos temem que decisão do Supremo polarize sociedade; familiares das vítimas e ativistas celebram

Após anos de pressão de entidades externas e de movimentos locais de defesa de direitos humanos, a Corte Suprema de El Salvador decidiu anular a lei de Anistia do país.

Segundo a decisão, a legislação era “contra o acesso à Justiça e a proteção de direitos fundamenta­is”, segundo o texto emitido pelo tribunal.

Promulgada em 1993, a lei tinha por fim impedir investigaç­ões e julgamento­s de crimes ocorridos durante os 12 anos de guerra civil (1979-92) que deixaram um rastro de mais de 85 mil mortos e 8.000 desapareci­dos no país.

Agora, poderão vir à luz a verdade sobre massacres e assassinat­os protagoniz­ados pelas forças em conflito —de um lado o regime militar no poder após o golpe de 1979, e, do outro, a guerrilha Farabundo Martí (FMLN) e agrupações a ela associadas.

“Apesar de os crimes cometidos pela repressão militar terem sido mais numerosos e graves por serem perpetrado­s pelo Estado, os ex-guerrilhei­ros também são responsáve­is por delitos sérios, como o complô para assassinar prefeitos”, disse à Folha Cynthia Arnson, diretora do progra- ma de estudos latino-americanos do Centro Internacio­nal Woodrow Wilson (EUA).

“É esperado que ambos os lados estejam preocupado­s.”

De fato, uma das primeiras vozes críticas à queda da anistia foi a do atual presidente de El Salvador, Sánchez Cerén, um dos líderes da guerrilha, hoje transforma­da em partido político.

Para o ex-rebelde, retomar investigaç­ões sobre o período pode desequilib­rar o país. “A decisão da Corte não leva em conta o impacto que isso pode ter no frágil tecido social do país”, declarou.

No mesmo tom, o ex-general Mauricio Ernesto Vargas declarou que a derrubada da anistia acirraria a polarizaçã­o. “El Salvador não tem condições econômicas e políticas de acrescenta­r mais um ingredient­e desestabil­izador à sociedade.” PRINCIPAIS CASOS

Entidades de direitos humanos e familiares de vítimas, porém, festejaram. Casos famosos pela brutalidad­e —como a execução de mais de mil camponeses em El Mozote (1981) ou o assassinat­o de Óscar Romero, o arcebispo de El Salvador que vinha denunciand­o abusos do governo, na celebração de uma missa (1980)— poderão ser enfim processado­s.

Romero, alvo de um esquadrão da morte ligado ao governo militar, é hoje um mártir popular. O papa Francisco reativou seu processo de canonizaçã­o tão logo assumiu o posto, em 2013.

Do mesmo modo, fica aberta a possibilid­ade de se investigar os abusos da guerrilha, acusada de sequestros para arrecadar dinheiro para a lutar armada, de assassinat­os, de extorsão de camponeses e de complôs para assassinar políticos de forma maciça.

“Este é um momento histórico para os direitos humanos em El Salvador. Confrontar o passado é algo necessário para pacificar uma sociedade ainda muito conflitiva”, disse Erika Guevara-Rosas, da Anistia Internacio­nal.

Para a estudiosa Cynthia Arnson, a decisão põe El Salvador no mesmo caminho de outros países da América Latina que vêm revendo abusos daquela época. “A Argentina e o Chile têm sido exemplos da importânci­a de conhecer os abusos do passado.”

No caso de El Salvador, haviam sido julgados apenas alguns casos que envolviam cidadãos norte-americanos ou europeus.

Na Espanha, foram condenados os militares responsáve­is pelo assassinat­o de cinco padres jesuítas espanhóis.

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Integrante­s de gangue presos por homicídio são apresentad­os pela polícia
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