Folha de S.Paulo

Infratores resistem a Lei Seca e aplicativo

Difusão do Uber e tolerância zero para álcool e direção mudaram comportame­nto, mas jovens admitem assumir risco

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‘Eu vou devagarzin­ho’, justifica engenheiro; mesmo com baixo teor, bebida afeta funções essenciais para direção

Numa quinta-feira à noite na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo), multidões de jovens se reúnem de pé, bebendo cerveja nos bares. Parte deixou o carro em casa. Parte foi dirigindo e voltará da mesma forma, mesmo após ter consumido álcool.

O endurecime­nto da Lei Seca, em 2012, e a recente difusão de aplicativo­s como Uber (com opções de tarifas mais baratas que à dos táxis) ajudaram a reduzir os motoristas que bebem e dirigem. Mas ainda é fácil achar infratores.

De 15 entrevista­dos pela Folha na noite de quinta (14), nove haviam ido de Uber para os bares —seis foram de carro e voltariam dirigindo.

É o caso dos amigos Rogério e Victor, ambos estudantes de engenharia de 21 anos. O primeiro, morador da Vila Leopoldina (zona oeste), dizia ter bebido “uns 20 copos de cerveja”; o amigo, morador do Morumbi (zona oeste), estimava ter bebido dez.

“90% das vezes em que pegamos o carro, bebemos e dirigimos. Só tenho medo de blitz. De resto, não, porque não corro. Vou bem prudente e dirijo bem”, diz Victor.

Em outro bar, visivelmen­te embriagado, um engenheiro de 24 anos nem se lembrava o quanto tinha bebido —“três copos de uísque e Quais são as punições No primeiro caso, a pena prevista é de 2 a 4 anos de prisão; no segundo, entre 6 e 20 anos de reclusão umas dez cervejas” até aquele momento, às 23h30. Chegara às 18h e voltaria mais tarde dirigindo até Embu das Artes (a cerca de 25 km). “Eu vou devagarzin­ho.”

“Achei que fosse tomar só uma cerveja e ir embora”, contava um publicitár­io de 27 anos, que acabou bebendo oito chopes, ainda iria “para outro rolê” dirigindo e voltaria de carro para São Bernardo do Campo. “É só ir com calma, com cuidado. Os acidentes são causados por quem gosta de correr.”

Segundo o médico Dirceu Rodrigues Alves Júnior, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, o álcool atua no sistema nervoso central e compromete três funções importante­s: a cognitiva (concentraç­ão, atenção, vigília, percepção), a motora (respostas que é preciso dar em um curto espaço de tempo) e a sensório-perceptiva (sensibilid­ade tátil, visão e audição). Na motora, a resposta que o sujeito dá, normalment­e num período de 0,75 segundos, passa para mais de um segundo.

“As três funções são essenciais. Mesmo com pouco álcool, há alterações nas funções que vão poder levar o indivíduo ao acidente”, afirma. “Uma vez tomada a bebida alcoólica, o indivíduo perde a autocrític­a, acha que está sempre bem para dirigir. Sua avaliação é fora da realidade.” ‘MUITO LOUCA’ Segurando um copo de plástico de cerveja, uma estudante de 20 anos diz que há dois meses estava “bebaça, muito louca” quando bateu o carro a caminho de casa, em Santana, voltando de uma balada no centro. “Não me lembro nem como foi o acidente. Só sei que fugi”, diz.

Chegou em casa chorando e contou para os pais, que a fizeram pagar o conserto do carro —R$ 4.000— e a proibiram de sair com ele novamente. “Confesso que não pensei muito na vida do outro. Hoje, eu pensaria 30 vezes antes de pegar o carro depois de beber”, afirmou ela, numa noite em que optara pelo Uber.

Desde 2012, a Lei Seca prevê tolerância zero para álcool no trânsito. É infração administra­tiva dirigir com até 0,34 mg/l de álcool no ar aveolar —depende de cada organismo, mas costuma correspond­er a uma a duas taças de vinho. A multa é de R$ 1.915,40, com recolhimen­to da carteira e retenção do veículo.

Acima desse patamar é considerad­o crime e a pena, além das administra­tivas, é detenção de seis meses a três anos. A avaliação do policial também conta para provar se o motorista estava embriagado.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, houve 23.677 bloqueios neste ano. As prisões caíram 15% —de 725 no primeiro semestre de 2015 para 613 neste ano.

“A conduta de não beber e dirigir ainda não está plenamente fixada na cultura do país”, diz o policial rodoviário Jorge Amaral dos Santos, especialis­ta em direito penal e estudioso dos crimes de trânsito. (JULIANA GRAGNANI)

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Rubens Cavallari/Folhapress Policiais param carro durante fiscalizaç­ão da Lei Seca

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