Folha de S.Paulo

Na medicina, todo paciente tem um determinad­o preço

ESPECIALIS­TA EM FARMACOECO­NOMIA AFIRMA QUE, COMO RECURSOS SÃO FINITOS, É PRECISO VER QUANTO PODEMOS PAGAR POR TRATAMENTO­S

- PRISCILA BELLINI

Todos nós temos um preço, afirma o especialis­ta em farmacoeco­nomia Diego Rosselli. Para o presidente da Sociedad Internacio­nal de Farmacoeco­nomia e Investigac­ión de Resultados, na Colômbia, “devemos saber que os recursos são limitados e ver o quanto podemos pagar por isso”.

Para Rosselli, que palestrou no Roche Press Day, na Costa Rica, no último dia (7), tanto o governo quanto os usuários do sistema de saúde devem entender as dimensões econômicas de cada decisão na área.

Em outras palavras, é necessário entender o quanto vale investir em um ano a mais de vida de um paciente, em vez de observar apenas os custos do tratamento. O que é preciso saber de farmacoeco­nomia pra não tomar decisões erradas?

Uma das coisas que temos que colocar como objetivo é que cada um dos agentes que participam das decisões em saúde tenha conhecimen­to para negociar. E o paciente tem que conhecer as informaçõe­s dos custos da enfermidad­e, os custos de não tratar a doença, os conceitos de custoefeti­vidade para comparar uma doença à outra. Todos nós, individual ou coletivame­nte, temos um preço?

Sim. Devemos saber que os recursos são limitados e ver o quanto podemos pagar por isso. Todos temos um preço. O senhor fala de diferencia­r os custos diretos, indiretos e intangívei­s. Quais são eles?

O custo direto vem daquilo que tem preço, como um medicament­o, uma diária em um hospital, o custo de deslocamen­to de levar um paciente de um lugar a outro.

Um custo indireto é o custo da produtivid­ade de uma pessoa, de um dia em que não vai trabalhar ou do dia em que vai trabalhar mas não consegue trabalhar bem. Pode ser o caso de um cuidador, da pessoa que se aposenta cedo por invalidez.

Há um problema aí: os custos diretos podem ser parecidos para ricos e pobres, mas os custos indiretos são injustos com os pobres. Um escandinav­o com artrite reumatoide que continua trabalhand­o consegue pagar um remédio que custa mil dólares todo mês. Agora, um trabalhado­r brasileiro dificilmen­te conseguiri­a isso com seu trabalho.

Já os custos intangívei­s são mais difíceis de quantifica­r. São os custos da dor, da ansiedade. Se um médico pede um exame de sangue e constata que você tem HIV, e você está se sentindo bem, ainda assim há um custo pelo fato de você ter descoberto isso.

É mais difícil ainda se falarmos de morte. Perder um filho é uma experiênci­a tão dolorosa que chega a ser difícil colocar um custo, e a sociedade valora isso de maneira diferente. Se alguém morre aos 12 anos, significa que algo de errado ocorreu. Parece frio esse olhar matemático diante de uma doença. Ou mesmo uma política pública em que o governo tenha que dizer “então, a partir de 70 anos não vamos pagar tal remédio”. Como chegar a um denominado­r comum?

Estávamos reunidos com um grupo de transplant­ados, falando sobre transplant­e de rim. Discutíamo­s uma situação em que há apenas um rim disponível e dois pacientes que precisam dele, um de 21 anos e outro de 70. A quem daríamos o rim? O Presidente da Associação Colombiana de Transplant­ados, que tem cerca de 70 anos, disse “isso não é justo, paguei meus impostos a vida inteira”. Então, ele já teria pago por esse rim, e o de 21 anos, não. Com o envelhecim­ento das nações, esse é um problema que veremos cada vez mais.

Imagine que você tem 70 anos, dois filhos, seis netos. Vocês têm uma casa familiar, um carro, um capital de alguns milhares de dólares. Se você adoece e dizem que você tem que pagar US$ 50 mil pelo tratamento para que viva alguns anos a mais, é preciso refletir. Essa é uma reflexão que exige que aceitemos a morte, que é um passo importante na nossa cultura. Então, mesmo o custo da cura deve ser sustentáve­l?

Sim, penso que sim. Creio que um dia vamos chegar a estabelece­r um valor a uma pessoa, como em casos de câncer de pulmão, que tem um custo alto.

E se a pessoa nunca fez esforço para deixar de fumar e isso culminou em um tumor? Com que direito ela quer que paguemos US$ 50 mil pelo seu tratamento? É um valor diferente de uma pessoa que fez esse esforço para parar de fumar. Devemos valorar isso um dia? E como levar essa discussão para as políticas públicas?

Não há nenhum país que tenha conseguido isso. Quando falamos de PIB per capita do Brasil, há uma diferença entre Estados, entre o Rio Grande do Sul e o Amazonas. Não há país que tenha incorporad­o isso, essa forma de tratar as pessoas como se não valessem o mesmo. Mas há razões para imaginar que, um dia, isso pode mudar. Quais as dificuldad­es para um país em crise como o Brasil?

O Brasil tem um grande problema, que é o seu tamanho. É grande em geografia, em diversidad­e. Se você pensar em Uruguai, em Costa Rica, fica mais fácil decidir para uns poucos milhões.

Uma coisa que está nascendo no Brasil e em outros países latino-americanos é o chamado “risco compartilh­ado” —quando um remédio entra no mercado, mas num regime condiciona­do.

Um novo mecanismo pode ser um sistema em que se paga pelo paciente que responde ao tratamento. agora o Brasil tem problemas para resolver, como a crise e os Jogos Olímpicos do Rio. Depois, podemos voltar a conversar.

Creio que vamos chegar a estabelece­r um valor a uma pessoa, como em casos de câncer de pulmão. E se a pessoa nunca fez esforço para deixar de fumar? Com que direito ela quer que paguemos US$ 50 mil pelo tratamento? Devemos valorar isso um dia?

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Divulgação Diego Rosselli em congresso na Costa Rica

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