Folha de S.Paulo

CRÍTICA Intérprete do inquietant­e, Schweblin ousa no formato

Composta por diálogos, obra convoca leitor a contribuir com imaginação

- JOCA REINERS TERRON

FOLHA

Novas intérprete­s do inquietant­e têm surgido na literatura de língua espanhola, em grande parte mulheres. Herdeiras de Silvina Ocampo e Clarice Lispector (e como influência não é algo necessaria­mente permeado pela questão de gênero: de Borges, Bioy e Cortázar), autoras mexicanas como Guadalupe Nettel e Daniela Tarazona ou argentinas como Mariana Enríquez e Samanta Schweblin não apenas se apropriam da longa tradição do fantástico, mas a reinventam.

A estreia de Schweblin no relato longo comprova porque ela, dentre as citadas, é a mais ousada formalment­e. “Distância de Resgate” é composta somente por diálogos, e sua brevidade (144 páginas na edição brasileira, 124 na original) não a torna menos complexa.

Ao eliminar cenário e descrição, a extrema condensaçã­o da novela responsabi­liza o leitor a contribuir com sua imaginação. Em entrevista, Schweblin já afirmou corretamen­tve que a parte do escritor correspond­e apenas a 50% do trabalho.

Em comum com suas contemporâ­neas, além da predileção pela narrativa curta, está o interesse pelo absurdo mundo atual.

Se em Mariana Enríquez a ditadura argentina e seus desapareci­dos políticos ressurgem em tramas do gênero “gore”, “Distância de Resgate” opera um tema ancestral (o medo materno de perder a cria —a expressão que dá título ao livro seria o cálculo inconscien­te da “distância variável” que separa a mãe de um filho), adicionand­o envenename­ntos por

A autora argentina Samanta Schweblin

agrotóxico­s em uma região dos pampas tomada pela monocultur­a.

Aos poucos, conforme se avança na leitura, sabemos que Amanda conversa com David, filho de Carla, um menino que se intoxicou. Ela está à procura de Nina, sua filha, e ele tenta orientá-la a respeito do instante crucial, “o ponto exato onde nascem os vermes”.

Sabe-se apenas que o garoto foi contaminad­o letalmente, que Amanda está à beira da morte, e pouco mais. O suor despendido pelo leitor não será gerado apenas pelo labor imaginativ­o, mas pela tensão. AUTORA Samanta Scweblin TRADUÇÃO Ivone Benedetti EDITORA Record QUANTO R$ 34,90 (144 págs.) AVALIAÇÃO bom

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