Falta de diálogo emperra programas na cracolândia
Gestões Alckmin e Haddad não compartilham nem dados de atendimentos
Ações têm abordagens diferentes para uso de droga; dependente fica perdido na guerra política, diz psiquiatra
Um quarteirão ocupado por centenas de usuários de drogas na alameda Dino Bueno, na região da Luz, no centro de São Paulo, é a face mais visível do que há 20 anos é conhecido como cracolândia.
Nos últimos três anos, a opção das gestões Fernando Haddad (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) pelo tratamento desses dependentes se sobrepôs à repressão policial.
Os resultados, no entanto, são prejudicados pela própria falta de interação entre as ações de Estado e prefeitura, segundo médicos e agentes sociais ouvidos pela Folha.
Com programas independentes e parcialmente antagônicos para cuidar de viciados de crack, as gestões Haddad e Alckmin não fazem nem um procedimento considerado básico na área médica: compartilhar informações sobre os dependentes atendidos.
Na prática, só há conversas informais por agentes de saúde nas ruas, e um viciado pode começar um tratamento sem que se saiba o que já foi diagnosticado sobre ele.
“Há excelentes programas na cracolândia, mas eles não se falam. São usados para plataforma política. O usuário fica perdido nesse tiroteio”, diz Jair Lourenço Silva, gestor da comunidade terapêutica Estância Primavera, que recebe pacientes do programa Recomeço, da gestão Alckmin.
Ele diz não conseguir nem encaminhamento formal de um programa ao outro, para tratamentos diferenciados a usuários de perfis diversos.
O mesmo diagnóstico tem Dartiu Xavier, psiquiatra, professor da Unifesp e ex-coordenador de treinamento do Braços Abertos, de Haddad.
Além de apontar falta de atendimento de saúde aos beneficiários da ação municipal, ele cita um caso prático. “Um técnico estava fazendo um trabalho de reinserção social de um paciente, com vários ganhos. Chegou uma ambulância [a serviço] do Recomeço e levou o indivíduo. Foi internado. É muito comum interromper o trabalho do outro.”
“Infelizmente [não tem], mas deveria ter integração. Ninguém é dono da verdade”, afirma Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e coordenador do Recomeço. “O cara do Braços Abertos deveria saber o que o do Recomeço faz, e vice-versa.” Ele diz, porém, não acreditar na estratégia municipal.
A prefeitura estima uma queda no total de usuários na área de 1.500 para 500 nos últimos anos. Mas outras “minicracolândias” se consolidaram longe do centro. PROGRAMAS Criado em 2013 pela gestão Alckmin, o Recomeço usa tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas.
Iniciado um ano depois pela gestão Haddad, o Braços Abertos usa o conceito de redução de danos. Incentiva a diminuição do uso de drogas, sem internação, pela oferta de emprego e moradia (participantes ganham R$ 15 ao dia por serviços como varrição).
Dos usuários tratados desde 2014 pelo programa, 40% desistiram. Em pesquisa da Plataforma Brasileira de Política de Drogas com 80 dos 500 pacientes, 65% disseram ter reduzido o uso de crack.
O Estado afirma que 85% das internações no Recomeço foram voluntárias.
Após críticas e mais de dois anos na cracolândia, as duas instâncias criaram um grupo para trocar informações. Mas houve só dois encontros, e as gestões já preparam mudanças nos dois programas sem planejamento conjunto.
O prefeito nega descompasso entre as partes. “Apesar de serem abordagens diferentes, nós, às vezes, encaminhamos para o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), do Estado, pessoas que demandam uma internação”, disse.