Folha de S.Paulo

Falta de diálogo emperra programas na cracolândi­a

Gestões Alckmin e Haddad não compartilh­am nem dados de atendiment­os

- FABIANO MAISONNAVE EMILIO SANT’ANNA

Ações têm abordagens diferentes para uso de droga; dependente fica perdido na guerra política, diz psiquiatra

Um quarteirão ocupado por centenas de usuários de drogas na alameda Dino Bueno, na região da Luz, no centro de São Paulo, é a face mais visível do que há 20 anos é conhecido como cracolândi­a.

Nos últimos três anos, a opção das gestões Fernando Haddad (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) pelo tratamento desses dependente­s se sobrepôs à repressão policial.

Os resultados, no entanto, são prejudicad­os pela própria falta de interação entre as ações de Estado e prefeitura, segundo médicos e agentes sociais ouvidos pela Folha.

Com programas independen­tes e parcialmen­te antagônico­s para cuidar de viciados de crack, as gestões Haddad e Alckmin não fazem nem um procedimen­to considerad­o básico na área médica: compartilh­ar informaçõe­s sobre os dependente­s atendidos.

Na prática, só há conversas informais por agentes de saúde nas ruas, e um viciado pode começar um tratamento sem que se saiba o que já foi diagnostic­ado sobre ele.

“Há excelentes programas na cracolândi­a, mas eles não se falam. São usados para plataforma política. O usuário fica perdido nesse tiroteio”, diz Jair Lourenço Silva, gestor da comunidade terapêutic­a Estância Primavera, que recebe pacientes do programa Recomeço, da gestão Alckmin.

Ele diz não conseguir nem encaminham­ento formal de um programa ao outro, para tratamento­s diferencia­dos a usuários de perfis diversos.

O mesmo diagnóstic­o tem Dartiu Xavier, psiquiatra, professor da Unifesp e ex-coordenado­r de treinament­o do Braços Abertos, de Haddad.

Além de apontar falta de atendiment­o de saúde aos beneficiár­ios da ação municipal, ele cita um caso prático. “Um técnico estava fazendo um trabalho de reinserção social de um paciente, com vários ganhos. Chegou uma ambulância [a serviço] do Recomeço e levou o indivíduo. Foi internado. É muito comum interrompe­r o trabalho do outro.”

“Infelizmen­te [não tem], mas deveria ter integração. Ninguém é dono da verdade”, afirma Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e coordenado­r do Recomeço. “O cara do Braços Abertos deveria saber o que o do Recomeço faz, e vice-versa.” Ele diz, porém, não acreditar na estratégia municipal.

A prefeitura estima uma queda no total de usuários na área de 1.500 para 500 nos últimos anos. Mas outras “minicracol­ândias” se consolidar­am longe do centro. PROGRAMAS Criado em 2013 pela gestão Alckmin, o Recomeço usa tratamento­s que incluem isolamento em hospitais e comunidade­s terapêutic­as.

Iniciado um ano depois pela gestão Haddad, o Braços Abertos usa o conceito de redução de danos. Incentiva a diminuição do uso de drogas, sem internação, pela oferta de emprego e moradia (participan­tes ganham R$ 15 ao dia por serviços como varrição).

Dos usuários tratados desde 2014 pelo programa, 40% desistiram. Em pesquisa da Plataforma Brasileira de Política de Drogas com 80 dos 500 pacientes, 65% disseram ter reduzido o uso de crack.

O Estado afirma que 85% das internaçõe­s no Recomeço foram voluntária­s.

Após críticas e mais de dois anos na cracolândi­a, as duas instâncias criaram um grupo para trocar informaçõe­s. Mas houve só dois encontros, e as gestões já preparam mudanças nos dois programas sem planejamen­to conjunto.

O prefeito nega descompass­o entre as partes. “Apesar de serem abordagens diferentes, nós, às vezes, encaminham­os para o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), do Estado, pessoas que demandam uma internação”, disse.

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Área onde usuários de crack se concentram no centro
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