Folha de S.Paulo

Unidade sindical

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A sociedade humana é um complexo de pessoas heterogêne­as, cada uma com seus próprios interesses, coordenada­s por instituiçõ­es construída­s por quem tem mais poder, o que as separa entre “ganhadores” e “perdedores”. A vida lhes ensinou que a soma do poder resultante da cooperação entre elas é maior do que a soma de poder de cada uma individual­mente. Isso as levou, na era da industrial­ização e do sufrágio universal, à formação dos sindicatos, que, por sua vez, estimulara­m a criação de partidos políticos para defender os trabalhado­res.

O problema é que a prática também mostrou que estes estão sujeitos à “lei de ferro das oligarquia­s”, descoberta por Robert Michels. Sindicatos e partidos acabam submetidos ao controle de uma burocracia, que, com o passar do tempo e seu insaciável desejo de poder, passa a cuidar apenas dos seus próprios interesses: torna-se o fim de si mesma! Qualquer semelhança com a realidade nacional que vivemos é, obviamente, mera coincidênc­ia...

No Brasil, a história é mais prosaica. Estamos comemorand­o três quartos de século da vigência da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), que nos foi outorgada por Getúlio Vargas, em 1º de maio de 1943, inspirada no corporativ­ismo fascista, e nos serviu bem durante algum tempo. O problema é que o mundo do trabalho mudou e chegou a hora de um “aggiorname­nto”. Não será contra os “direitos” dos trabalhado­res, mas, ao contrário, para garantir a sua continuida­de e dar-lhe materialid­ade e dinamismo.

Um exemplo trivial é o da revisão da “unicidade sindical”, defendida pelo presidente do TST, o ilustre Ives Gandra Martins Filho. Basta dizer que a ratificaçã­o da Convenção 87 da Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT), de 1948, que admite a pluralidad­e sindical se esse for o desejo dos trabalhado­res, já vigora em mais de 150 países. Entre nós, dorme tranquila na Câmara dos Deputados, porque não interessa ao Poder Executivo.

A “unicidade sindical” garante o monopólio: a existência de um único sindicato (financiado pelo imposto sindical criado em 1931 e incorporad­o à CLT) numa determinad­a base geográfica para cada categoria de trabalhado­res. É o conforto dado pela unicidade e a garantia do imposto sindical, que exime o sindicato da eventual necessidad­e de competir com mais trabalho a favor de seus associados. Entre os verdadeiro­s interesses dos trabalhado­res e as delícias das políticas criadas pela sedução do governo, o monopólio torna a escolha irresistív­el... A propósito, na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou o aumento do imposto sindical patronal!

ANTONIO DELFIM NETTO

nesta coluna. escreve às quartas

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