Folha de S.Paulo

A nova vergonha do Carandiru

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BRASÍLIA - Foi em outra véspera de eleição, mais de duas décadas atrás. Em 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo invadiu a penitenciá­ria do Carandiru para reprimir uma rebelião. A ação matou 111 presos em meia hora. As fotos dos corpos, nus e enfileirad­os no chão de concreto, correram o mundo como um símbolo da barbárie brasileira.

O massacre também se tornou sinônimo de impunidade. Depois de 24 anos, nenhum policial foi preso. Autoridade­s da época, como o governador Luiz Antônio Fleury Filho, nem chegaram a ser processada­s. Agora o caso ganha mais um capítulo vergonhoso. O Tribunal de Justiça anulou os julgamento­s que condenaram 74 PMs. Todos recorriam em liberdade, apesar da gravidade dos crimes e das penas de até 624 anos de prisão.

O relator do recurso, desembarga­dor Ivan Sartori, defendeu a absolvição dos PMs. Ao justificar o voto, ele tentou reescrever a história. “Não houve massacre, houve legítima defesa”, afirmou. A declaração é espantosa porque as vítimas estavam desarmadas e todos os policiais saíram vivos. A perícia contou uma média de cinco tiros por corpo, muitos disparados pelas costas e na cabeça.

O desembarga­dor também deixou claro que não se importava com a reação da opinião pública. “Eu sou o juiz”, decretou. “Seremos criticados pela imprensa, mas não quero saber da imprensa”, prosseguiu. Seria demais esperar que ele se importasse com as famílias das vítimas.

Ao contrário do que pregam os defensores da violência policial, massacres de presos não protegem o “cidadão de bem”. O resultado do Carandiru foi a criação do PCC, que organizou o crime e passou a controlálo dentro e fora das cadeias.

O coronel Ubiratan Guimarães, que comandou o banho de sangue, chegou a se eleger deputado. Seu número terminava em 111, num deboche com o número de mortos na invasão. Fleury não tem mais votos, mas continua no poder. É integrante da executiva estadual do PMDB.

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