TJ anula condenação de PMs do Carandiru
Julgamentos que condenaram 74 policiais pelo massacre de 111 presos em 1992 poderão ser refeitos; não há prazo
Ministério Público irá recorrer ao STJ; órgão do Tribunal de Justiça de SP ainda definirá se também absolve réus
O Tribunal de Justiça de SP anulou os julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presidiários foram assassinados em uma ação da PM para conter um motim.
Após a decisão do TJ, na tarde desta terça (27), a Promotoria anunciou que entrará com um recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para manter as condenações.
Os 74 PMs envolvidos no massacre na antiga Casa de Detenção de SP foram julgados em cinco tribunais, que ocorreram de 2001 a 2014.
Em todos eles, o júri votou pela condenação dos réus. As penas variavam entre 48 e 624 anos de prisão. Como a defesa recorreu da decisão, nenhum policial foi preso.
Nesta terça, dos três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do TJ, dois votaram pela anulação dos julgamentos. O terceiro defendeu ainda a absolvição dos réus. Uma nova sessão será convo- cada, agora com a participação de mais dois desembargadores, para votarem “anulação” ou “absolvição”.
Se os dois juízes que ainda não apresentaram o voto seguirem o relator, os réus podem ser beneficiados com a absolvição completa das acusações, sem que sejam submetidos uma segunda vez ao júri —o que, aliás, não tem nenhuma data prevista.
Relator do processo, o desembargador Ivan Sartori, expresidente do TJ, votou pela anulação e absolvição dos réus. “Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal. Agora, não nego que, dentre eles, possa ter existido algum assassino.”
“Nós julgadores não podemos nos influenciar por imprensa, ou por quem se diz dos direitos humanos. A minha consciência está aqui. Sou o julgador. Quem manda na minha consciência sou eu mesmo”, completou Sartori.
O revisor do processo e um terceiro juiz do colegiado discordaram de Sartori sobre a absolvição, mas votaram a favor da anulação dos júris.
Além do pedido de nulidade dos julgamentos, por alegada falta de provas, os advogados dos PMs também pedem que os 74 réus sejam absolvidos, usando como base a absolvição do comandante da corporação na época, o coronel Ubiratan Guimarães.
Ubiratan foi condenado em 2001 a 632 anos de prisão por 105 das 111 mortes. Cinco anos depois, o TJ o absolveu ao entender que, mesmo com a condenação, o júri quis inocentálo, pois aceitou a tese da defesa de que o coronel estava cumprindo o seu dever como policial. Ubiratan morreu em 2006, sem nunca ter sido preso, antes que a Promotoria esgotasse os recursos em todas as instâncias da Justiça.
Segundo a Promotoria, o recurso dos advogados pela anulação foi usado para protelar a condenação dos réus.
Para a procuradora Sandra Jardim, a decisão do TJ foi “inusitada”, ao tratar não apenas da anulação do júri, e “muito mais benevolente do que a defesa pleiteou”.
Renato Soares do Nascimento, advogado dos PMs, comemorou. “Se fez justiça. Até hoje tentamos entender com que base os policiais foram acusados. Não se produziu nenhuma prova”, disse.
Para Antônio Magalhães Gomes Filho, professor de direito da USP e especialista em direito penal, o voto do desembargador Sartori contraria a lei do processo penal.
“Quando há condenação pelo júri popular, o Tribunal [de Justiça] não pode absolver ou condenar o réu. O desembargador pode anular e mandar o réu a novo julgamento, se a decisão anterior for contrária às provas dos autos ou em caso de uma falha processual”, afirma.
“A decisão do júri é soberana”, diz Miguel Pachá, expresidente do TJ do Rio.