Folha de S.Paulo

Entidades atacam e PMs comemoram anulação de penas

Policiais agiram em legítima defesa, diz associação; não há justiça para familiar de preso que morreu, afirma ONG

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‘Polícia só mata porque Judiciário enterra com canetada’, diz líder de movimento; para cabo, PMs cumpriram ordens

A anulação das condenaçõe­s pelo massacre do Carandiru foi comemorada pela associação de cabos e soldados da PM e atacada por entidades de defesa dos direitos humanos e um dos promotores que atuaram no julgamento.

“Um lado é muito mais forte do que o outro. Não parece interessan­te fazer justiça para familiar de preso que morreu. Isso não está na agenda do Judiciário”, afirmou Marcos Fuchs, advogado e diretor adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos.

“É uma boa notícia, pelo menos para nós que somos policiais e para esses 74 pais de família que não conseguiam dormir”, afirmou o cabo Wilson Morais, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

“É triste de ver. Respeito, mas chama atenção a falta de sensibilid­ade pela decisão da sociedade”, disse Márcio Friggi, promotor que atuou na condenação dos policiais. “Toda vez que foi chamada para discutir esse caso, a sociedade decidiu pela responsabi­lização dos PMs”, afirma.

Como houve recurso da defesa na época das condenaçõe­s, os réus não iniciaram cumpriment­o de pena. O promotor avalia que a lentidão para uma decisão definitiva mostra uma Justiça Penal “simbólica, burocrátic­a, travada e pouco eficiente”. O massacre do Carandiru completa 24 anos no domingo (2).

O cabo Wilson Morais, da associação dos PMs, disse que a condenação era absurda. “Eles estavam no estrito cumpriment­o do dever legal, atuando pelo Estado, com ordem do governador [Luiz Antônio Fleury Filho, do PMDB] e do secretário de Segurança Pública da época [Pedro Franco de Campos]. Foram recebidos

MARCOS FUCHS

da Conectas Direitos Humanos a tiros, pauladas e pedradas. Foi legítima defesa.”

A hipótese de que os detentos portavam armas de fogo nunca foi confirmada —consta do depoimento do coronel Valter Alves Mendonça no júri popular, em 2013. À época, o Ministério Público afirmou que as armas encontrada­s foram plantadas pela polícia.

“Os policiais poderiam ter morrido de Aids”, disse Morais, acrescenta­ndo que os detentos “jogavam sangue com seringa” em cima dos oficiais que invadiram o presídio. “Se tivessem usado munição não letal quem tinha morrido eram os policiais. Um presídio com 8 mil marginais condenados contra 74 policiais”, afirmou.

“Que vergonha”, disse Débora Maria da Silva, coordenado­ra e fundadora do Mães de Maio, movimento de familiares de vítimas da onda de violência de maio de 2006, que deixou 505 civis mortos numa aparente resposta ao assassinat­o de 59 policiais.

“A polícia só mata porque o Judiciário enterra com a canetada. Mata mais do que a polícia que aperta o gatilho. Que lei é essa que não pune quem tira a vida?”, questiona.

Procurada, a PM de São Paulo informou, por meio de sua assessoria, que não se manifesta em relação a decisões judiciais. (PAULO GOMES)

Um lado é muito mais forte do que o outro. Não parece interessan­te fazer justiça para familiar de preso que morreu

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